Contra Duvivier, Ciro faz uso do mesmo padrão mentiroso de ataque a seus críticos

Atualizado em 22 de maio de 2022 às 9:09
Logotipo do DCM. Foto: Reprodução/YouTube

Na última terça-feira (17), a juíza Ligia Dal Colletto Bueno, da 1ª Vara do Juizado Especial Cível de São Paulo, proferiu decisão em favor do pré-candidato a presidente Ciro Gomes (PDT), em processo que o Diário do Centro do Mundo (DCM) e o jornalista Kiko Nogueira movem por danos morais contra o político. Cabe recurso, e o veículo informa que de fato já recorreu da sentença de primeiro grau.

A ação indenizatória por danos morais teve início em 7 de junho de 2021. O veículo e o jornalista buscaram a Justiça por julgarem ter sofrido ataque difamatório e consequente dano moral advindo de duas declarações de Ciro Gomes a órgãos de imprensa, conforme consta em processo e seguem transcritas abaixo:

1 – Se você olhar os sites 247, Diário do Centro do Mundo, é tudo picareta que o PT contrata nas piores escolas do jornalismo brasileiro e traz para servi-lo fazendo a prática corrupta que faziam a serviço da direita bandida do Brasil para eles. Esse Kiko Nogueira, quem que não sabe de onde vem? Porque o Brasil vive de picaretagem, gente fazendo de conta que não sabe, um corporativismo exacerbado. O Kiko saiu do Sistema Globo, da revista Época banido porque estava fazendo picaretagem. 

2 – O PT continua com dinheiro sujo, dinheiro subtraído dos cofres públicos, financiando por exemplo, o Brasil 247, o Diário do Centro do Mundo. E faz o quê? Contrata pseudojornalistas decadentes, das escolas mais podres do jornalismo brasileiro, Organizações Abril, ou os decadentes demitidos das organizações Globo, e com dinheiro público, de vários lugares que eles têm, gabinetes de parlamentares e tal.

O que está transcrito acima são declarações de Ciro Gomes que estão gravadas, disponíveis em inúmeros sites na internet e que não foram contraditas pelo próprio pré-candidato no decurso do processo. 

Durante a instrução processual, os advogados do DCM convidaram Ciro Gomes a se retratar por escrito ou então a provar o que dissera, e assim encerrar a lide naquele momento.

O pré-candidato não fez uma coisa nem outra. Primeiramente, recusou-se a qualquer tipo de retratação. Em audiência conciliatória, deu risada da proposta.

Posteriormente, em sua defesa por escrito no processo judicial, falhou em provar as afirmações que proferira. Leia abaixo o trecho da sentença judicial que descreve os argumentos apresentados por Ciro para escudar seu direito de ter dito o que disse:

Em sua defesa, o requerido esclareceu que as declarações trazidas na inicial correspondem a hipóteses de retorsão em face das diversas críticas e matérias ofensivas e depreciativas em seu desfavor, como os dizeres:“oportunista político”, “candidato de Série B”,“coronel oportunista ressentido e covarde”, “errático Ciro Gomes, da Trupe Idiota”,“destemperado”, “coronel mimado”, etc”. Destaca que como veiculador de críticas e comentários políticos, a parte autora também acaba se sujeitando a receber críticas. 

Assim, segundo o próprio político afirma, o que ele dissera e repetira antes a órgãos de imprensa com todas as letras não são fatos, mas “hipóteses de retorsão” aos ataques que sofrera.

Há, entretanto, uma diferença essencial entre o que teria publicado o veículo e o jornalista e as declarações de Ciro Gomes.

Oportunista político, ressentido, covarde, destemperado, errático, candidato de Série B e coronel mimado são todas maneiras de adjetivar o político Ciro Gomes, assim o adjetivam aqueles que têm essas opiniões sobre ele. É disso que se trata: opiniões.

De outra feita, veja o que disse Ciro Gomes:

Diário do Centro do Mundo, é tudo picareta que o PT contrata nas piores escolas do jornalismo brasileiro e traz para servi-lo fazendo a prática corrupta que faziam a serviço da direita bandida do Brasil para eles.

Não se trata de opinião.  Trata-se de uma acusação grave, de envolvimento em “prática corrupta a serviço da direita bandida”, a mando e remunerado pelo Partido dos Trabalhadores, com dinheiro fruto de corrupção. 

Se é verdade o que ele diz, me escapou qualquer indício de tal feito ao longo dos mais de cinco anos em que venho prestando serviço a este veículo, inclusive em cargo de chefia e ciente dos recursos financeiros de que o site dispõe.

Mas isso pouco importa. O que importa é que quem acusa alguém de um crime, precisa provar o que disse. Ciro não provou e já afirmou que  não tem como provar.

Outro trecho das declarações protestadas de Ciro:

O Kiko saiu do Sistema Globo, da revista Época, banido porque estava fazendo picaretagem. 

É simplesmente mentira. Kiko Nogueira – segundo o próprio informa e a Editora Globo confirma – jamais trabalhou em tal empresa.

Questionado em âmbito processual, o pré-candidato afirmou – e consta nos autos do processo, que é público – que havia se equivocado, que estava tentando se referir, na realidade, ao irmão do jornalista atacado.

Paulo Nogueira, irmão de Kiko, já morreu, então não poderá se defender sobre ter sido ou não banido por picaretagem — uma mentira.

Instado no processo a dizer quais fatos corroborariam sua afirmação sobre o saudoso jornalista, Ciro não soube responder. Ele estava apenas “se defendendo”. 

Quando foi convidado a se retratar publicamente sobre o equívoco que confessava ter cometido, se recusou a fazê-lo. Da boca de Ciro, ninguém nunca ouviu a errata que Kiko Nogueira  jamais trabalhou na Editora Globo, não sendo possível portanto que ele tenha sido banido por picaretagem, como mentira (ou errara) Ciro. 

Ainda no conjunto das hipóteses de retorsão de Ciro contra Kiko e o DCM, sempre conforme se lê nos autos:

O Brasil 247, o Diário do Centro do Mundo. E faz o quê? Contrata pseudojornalistas decadentes, das escolas mais podres do jornalismo brasileiro, Organizações Abril, ou os decadentes demitidos das organizações Globo, e com dinheiro público, de vários lugares que eles têm, gabinetes de parlamentares e tal.

Pela segunda vez, não se trata de opinião, e sim de nova acusação de cometimento de crime contra o erário. 

Qualquer um pode achar alguém covarde, mimado e pertencente à trupe dos idiotas e assim dizê-lo. Mas se você acusa alguém de ser financiado com dinheiro desviado de gabinete parlamentar, você precisa provar. Ciro não provou e já disse que não tem como provar.

Mas, se é assim, por que Ciro venceu o processo na primeira instância?

Este ponto é fundamental, uma vez que, como era de se esperar, sites bolsonaristas e de extrema direita em geral passaram a divulgar a notícia sobre o processo com títulos como “Após dizer que DCM recebe dinheiro de gabinetes do PT, Ciro vence processo contra o site na Justiça”.

A ação judicial proposta pelo site é no âmbito cível, e demanda indenização por dano moral. A linha argumentativa do veículo é a de que declarações mentirosas como as de Ciro geram um ônus de reputação evidente ao jornalista e ao site, que vivem de sua credibilidade. 

A juíza que decidiu sobre o caso entendeu que Ciro Gomes, de fato, havia afirmado coisas que não chegou nem perto de provar. Para conceder a indenização por dano moral, porém, a magistrada disse que o site precisaria ter apresentado algum tipo de prova em processo de que efetivamente a sua moral havia sido danificada. Leia abaixo trecho da decisão:

É inegável que se poderia esperar outra conduta do réu (CIRO GOMES), na medida em que, em termos objetivos, seria mais prudente alguém se manifestar a respeito de algo, na hipótese de haver alguma certeza acerca desse algo.

Ocorre, entretanto, in casu, que a conduta açodada do réu não trouxe consequências danosas aos autores.

Não se irá propor aqui um debate jurídico sobre o cabimento ou não da decisão de primeira instância, até porque tal análise será efetivamente realizada em grau de recurso no Tribunal de Justiça de São Paulo.  

Fato é, porém, que em que pesem  normas e decisões judiciais, o que foi decidido e transcrito em sentença pela Justiça serve só para provar uma coisa: Ciro Gomes caluniou o DCM, Kiko Nogueira, seu irmão Paulo e todos os profissionais sérios que trabalham no veículo. Tivesse sido proposto um processo na esfera penal, por crime de calúnia, talvez o pré-candidato já tivesse amargado uma derrota logo de cara.

Finalmente, quem assistiu ao “debate” entre o pedetista e o humorista Gregório Duvivier não poderá deixar de notar o padrão de comportamento de Ciro Gomes.

Revoltado com o programa em que foi objeto de análise do humorista, o pré-candidato apresentou um react eivado de mentiras contra Gregório e toda a equipe jornalística do programa Greg News, só para depois convida-lo ao debate.

O humorista reclamou disso durante o encontro com seu detrator e expôs as mentiras do pré-candidato ali na hora, mostrando-se bastante contrariado com as ofensas que sofrera.

Ciro não conseguiu esconder que de fato mentira em seu react, então o que fez? Disse que Gregório tem queixo de vidro, que ele, Ciro, estava apenas se defendendo de ataques sofridos, e que, se mentira, fora sem querer, porque teria respondido tudo “rapidamente” (poderia ter usado a palavra açodada, que foi o sinônimo escolhido pela juíza ao se referir à sua reação contra o DCM).

Notam a semelhança? Revoltado com as opiniões que leu e ouviu a seu respeito no DCM, Ciro respondeu com mentiras – chame-as ele de “hipóteses de retorsão” ou do que quiser -, como se mentir fosse um meio legítimo de se defender. 

Não é.