Um levantamento do DCM das viagens de ministros, deputados e senadores nos jatinhos da Força Aérea Brasileira.
Depois dos escândalos envolvendo o uso dos aviões da FAB, por parte de políticos, para finalidades pessoais, a entidade foi obrigada a se mexer. O site da entidade, hoje, tem um registro superficial de quem usou seu equipamento. A origem dessa solicitação é do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa — que, ironicamente, é um “cliente”: esteve na final da Copa das Confederações no Maracanã, viajando pela FAB, e, em maio, foi à Costa Rica participar de um evento da Unesco, convidando, sem cerimônia, um grupo de jornalistas para passear com ele.
Chama a atenção nesses relatórios a quantidade de vôos utilizados: em 10 dias, foram 84 deslocamentos aéreos de ministros e presidentes da câmara e do senado — a grande maioria deles sob a alegação “serviço”.
O Ministro da Ciência, Tecnologia e Informação, Marco Antonio Raupp, por exemplo, esteve em 11 de julho em Buenos Aires em comitiva de 11 pessoas. Ele foi representar o Brasil na abertura da feira Tecnópolis, mostra de ciência e tecnologia, em cerimônia de abertura com a presença da presidente Cristina Kirchner. No dia seguinte, o ministro e sua comitiva seguiram para Bariloche, onde passaram o dia. No relatório da FAB não se explica o motivo, mas a assessoria de imprensa do Ministério diz que se tratava de uma visita ao recém-construído Centro de Ensaios de Alta Tecnologia (Ceatsa) e o Centro Atômico de Bariloche (CAB), da empresa Invap, com a qual a A Comissão Nacional de Energia Nuclear brasileira (CNEN) tem contrato para a elaboração do projeto do Reator Multipropósito Brasileiro.
Já a ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, voou, em pleno domingo, 14 de julho, de Brasília a Campinas e de volta a Brasília, sob a alegação de “emergência médica”. Sim, emergências não escolhem o dia para ocorrer.
É discutível que os aviões da FAB sejam usados para transportar autoridades de volta à cidade onde moram. Já seria bastante razoável usarem a cota de passagens de companhias aéreas que possuem. O presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, aprecia a exclusividade dos aviões da FAB para ir a Natal, onde tem residência fixa. Nesses dez dias de relatório, usou a regalia em 22 de julho (uma segunda-feira) e em 18 de julho (quinta-feira). Isso depois de ter sido pego em flagrante voando com família e amigos para a final da Copa das Confederações.
Nesse mesmo dia, 18 de julho, quebrou-se um recorde nos vôos — foram 15 viagens exclusivas. Marta Suplicy, Ministra da Cultura, por exemplo, deu um pulo em Salvador carregando dez pessoas na comitiva — mas voltou a Brasília apenas com cinco.
Como explicar esses detalhes? O relatório da FAB não explica — e assim dá margem a interpretações diversas. Na verdade, fica a impressão de que a instituição oferece esses relatórios simplificados apenas para cumprir tabela, já que o abuso ganhou grande exposição no momento.
Há uma lei obrigando este tipo de informação — a de nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, mais conhecida como LAI (Lei de Acesso à Informação). A Lai, entre outras obrigações, determina a implantação da transparência em todos os órgãos públicos, “as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios”, segundo o texto assinado por Dilma. A FAB cumpre a lei, até porque coloca-se á disposição para maiores esclarecimentos sobre os vôos desde que haja uma solicitação específica nesse sentido.
Apesar de a LAI ser de novembro de 2011, não se pode dizer que a cultura da transparência tenha de fato “pegado”. O esforço que algumas instituições fazem ainda parecem ser apenas jogo de cena. A farra dos aviões não é novidade. Tem sido uma prática largamente utilizada pelas autoridades pelo menos desde 2002, quando, por um decreto — Nº 4.244, de 22 de maio — o então presidente Fernando Henrique Cardoso autorizou ao vice-presidente da República, aos presidentes do Senado, da Câmara e do STF e a todos os ministros e aos comandantes das Forças Armadas a possibilidade de se transportar aos seus destinos fossem eles quais fossem e com quem fossem — desde que o motivo se enquadre em algum desses três: “segurança e emergência médica” , “viagens a serviço” e “deslocamentos para o local de residência permanente”, segundo o decreto. Mas não é preciso documentar nada. Basta acionar a FAB, solicitar o voo, declarar o motivo e a quantidade de pessoas e voar.
Foi o que fez o Ministro do Esporte Aldo Rebelo, que foi a Cuba no Carnaval para assinar um intercâmbio de atletas entre os dois países para os jogos de 2016. Apesar de ser convidado pelo governo cubano, usou avião da FAB e levou junto a mulher e o filho, universitário de 21 anos — nenhum deles em missão oficial do governo brasileiro. A justificativa do Ministro foi que ambos teriam também sido convidados pelo governo cubano, como se isso justificasse a carona.
A cultura do abuso está disseminada. Ou seja, são todos uns folgados mesmo com o patrimônio alheio. Os aviões da FAB são jatinhos modernos que geram custos altos para fazer qualquer vôo. A estimativa é de pelo menos 50 mil reais de despesas para um deslocamento — e isso é o mínimo. Nestes custos estão incluídos o combustível, as taxas dos aeroportos, os encargos da tripulação e o depreciação do avião. O gesto de ressarcir a FAB pelo uso indevido é apenas simbólico — como fez o deputado Henrique Eduardo Alves, que devolveu aos “cofres da união” 9,7 mil reais. O valor é baseado nos preços de passagens de companhias aéreas, muito diferentes do que seria alugar um avião exclusivo.