PEC dos Militares e a página em branco da nossa história. Por Chico Teixeira

Atualizado em 31 de agosto de 2023 às 14:36
Exército brasileiro. Foto: reprodução

Entendemos que o governo Lula queira avançar em tópicos de interesse nacional, como o combate à fome ou ao desemprego e a (re)industrialização do país. E assim, fugir da pecha de ser o Governo que sobreviveu ao golpe. Por tal razão, evita-se o envolvimento nas apurações legítimas dos atos golpistas, antes e depois do 08/01/2023.

No entanto, quando o governo atua contra a oportunidade única de “reescrever” o “manual” das relações militares e política no Brasil, abolir a “Doutrina da Tutela (as FFAAs como um “Poder Moderador” e a “missão” de combater o “Inimigo interno”) sinto que se perde o momento histórico.

A consolidação da democracia no Brasil é uma pauta tão importante quanto a fome e o desemprego. Sem democracia, a erradicação das posições de mando das elites antipovo será impossível e seremos sempre um país da fome cíclica e a República dos Privilégios.

Não lutar contra os golpistas em seus nichos é um baita desconhecimento da nossa História. E, no limite, não fazer o enfrentamento didático das direitas trabalha contra o fortalecimento da própria democracia entre nós.

O núcleo político do governo, sua comunidade de Inteligência e seus órgãos, bem como o Ministério da Defesa, trabalham com um diagnóstico “equivocado” da natureza da atual crise brasileira, do momento nacional e da ascensão mundial da extrema-direita e dos fascismos.

A Abin e o GSI mostraram-se incompetentes para construir um diagnóstico real das instituições brasileiras e do alcance do golpismo no interior do Estado. Tal fragilidade transferiu para os acadêmicos e alguns jornalistas investigativos a faina de desvelar a ampla trama envolvendo políticos, magistrados e militares contra a República.

Vive-se ao “Deus dará” de confissões e delações, do trabalho incansável da PF, emergindo uma situação de “sustos” e alertas em busca de delações – o que não seria o fio condutor das investigações caso a Abin e o GSI cumprissem suas missões institucionais.

Bem ao contrário, vemos que tais órgãos constituem-se em nichos privilegiados de golpistas, centro de construção de “narrativas” que buscam o apagamento do 8 de janeiro, seus antecedentes e consequências. Ao contrário do núcleo político, palaciano, do governo, apenas o Ministério da Justiça, a Advocacia-Geral da União, e o STF, avançam nas investigações.

O diagnóstico da crise institucional continua precário junto ao núcleo político, que insiste em que:

  1. A eleição de Lula e a inelegibilidade de Bolsonaro são evidências do fim da crise política e institucional;
  2. Consideram o bolsonarismo, inclusive na Magistratura e nos quartéis, em refluxo confundindo personagem e as fontes profundas dos movimentos sociais das Direitas;
  3. Nunca entenderam, por isso mesmo, o conceito de “Insurreição fascista”, como estabelecido com a “Marcha sobre Roma”, de 1922, e sua repetição midiática e reticular, em Kiev em 2014, em La Paz em 2019 ou no Capitólio em 2021;
  4. Ao contrário de Lula da Silva, consideram o fascismo no Brasil como metáfora e hipérbole, mantendo-se na compreensão cinematográfica do fenômeno “fascismo histórico”, sem atentar para os movimentos mundiais de ascensão dos novos (neo)fascismo;
  5. Acreditam que todo poder político se exerce no Congresso Nacional, desvalorizando a presença do povo nas praças, ruas, universidades e sindicatos como tipo de Resistência;
  6. Não entenderam o processo de unificação das Diretas brasileiras pela hegemonia fascista;
  7. Consideram a oposição fascista com as mesmas lentes que enfrentaram antes a oposição do (quase)finado PSDB, não percebendo a “debacle” do Centro Histórico da política republicana;
  8. Não consideram mobilizar, por não entender o caráter “de massas” do fascismo (amplas classes médias, funcionários civis e militares, as classes rentistas, o lumpenproletariat em busca de um líder substituto, mito e mistificação, da falsa concretização psicológica e histórica) os núcleos populares, trabalhadores, para se manifestarem nas ruas, praças, universidades e sindicatos contra o golpismo (sequer tivemos uma manifestação popular em condenação ao golpe);
  9. A busca de base de apoio do governo leva a tratativas que poderiam ser melhor explicadas e balanceadas com a mobilização popular;
  10. Estão “economizando” Lula, o único grande comunicador à Esquerda, nas suas relações com as bases trabalhadoras;
  11. Não distinguem o bolsonarismo, uma forma de Neofascismo, do conservadorismo nato da sociedade brasileira, racista, misógina e patriarcal, combatendo só os personagens “Bolsonaro” e os chamados “patriotas”, que entalados em bandeiras depredaram as instituições da República, deixando de lado o núcleo duro do bolsonarismo na política, magistratura, ministérios, inclusive o Ministério da Defesa, no afã de blindar militares golpistas;
  12. Por fim, estão decididos a “deixar quieto” os núcleos radicais nas FFAAs, no intuito de “virar a página” da História. Assim perde-se a percepção da profundidade e enraizamento do golpismo nas instituições da República e na cultura política brasileira, suas raízes históricas, no escravismo e no patrimonialismo, seus métodos sempre violentos, buscando “virar a página” de uma História ainda não escrita.

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