O incrível documentário que resultou na prisão de seu personagem central

Atualizado em 25 de março de 2015 às 16:18

 

Herdeiro de uma fortuna construída no ramo imobiliário, em Nova York, Robert Durst é acusado dos assassinatos de sua primeira mulher, da melhor amiga dela e de um vizinho – que foi esquartejado – ao longo de 25 anos. Personalidade recorrente no noticiário policial americano, Durst se encaixa no perfil do pobre menino rico, traumatizado pela perda violenta da mãe e perturbado pela criação rígida de um pai autoritário. Ele está no centro de The Jinx: The Life and Deaths of Robert Durst (O Azar: As Vidas e as Mortes de Robert Durst), minissérie documental em seis capítulos dirigida por Andrew Jarecki e produzida pela HBO que terminou com a sua prisão no início de março.

A história toda, contada de forma entrecortada no documentário, é complexa e levanta questões éticas sobre a eventual colaboração entre O FBI e a produção. Durst foi preso pelo FBI em 14 de março, às vésperas da exibição do capítulo final, A Segunda Entrevista, no qual um microfone capta ele admitindo para si mesmo que matou todas as vítimas. Após a última entrevista a Jarecki, ele teria ido ao banheiro com o aparelho ainda preso à roupa e ligado. Famoso por suas excentricidades, o personagem é conhecido por gesticular e ter conversas intermináveis consigo mesmo e, ao repetir uma pergunta que fora feita durante a filmagem, ele teria dito: “Claro, eu os matei, todos eles”.

Segundo relatou a agência Associated Press, a prisão de Durst em Nova Orleans foi feita pelo FBI a partir de um mandado obtido pela polícia de Los Angeles com base em novas evidências ligando-o à morte de Susan Berman, em 2000. Essa evidência, descoberta pelos produtores da série documental, é uma carta que o herdeiro teria escrito a Berman um ano antes da violenta morte dela. De acordo com reportagem do New York Times, os produtores teriam pedido aconselhamento legal para saber em que momento revelar o documento para que não perdesse valor quando apresentado em um eventual julgamento.

Mais curioso ainda foi o modo como a série nasceu e permitiu que Jarecki tivesse acesso a Durst e a um manancial enorme de documentos sobre o personagem – motivo até mesmo de uma disputa judicial com o irmão dele, Douglas Durst, presidente das organizações Durst. O cineasta havia dirigido Entre Segredos e Mentiras (2010), relato ficcional da história de Durst e sua primeira mulher, Katie Durst, com Ryan Gosling e Kirsten Dunst nos papéis principais. O milionário, que não se envolveu na produção, assistiu ao filme e ficou emocionado. Em seguida, entrou em contato com o cineasta para propor uma “entrevista” em que contaria sua história.

Todo esse processo faz parte de The Jinx e se encaixa na construção do personagem Robert Durst, um dos grandes trunfos narrativos da série documental. Tratado como uma figura excêntrica e suspeita, o personagem conta sua parte da história – e confere ao azar o seu destino, daí o título do filme – ao mesmo tempo em que seu passado de excessos se desenrola na tela em reconstituições ficcionais. A questão que se impõe, no entanto, continua sendo a ética. Em que medida Jarecki foi suficientemente transparente com o seu personagem ao buscar contato com a Justiça e ao expô-lo falando sozinho, em tom confessional, no banheiro com um microfone ligado sem que ele soubesse. Os próximos capítulos serão emocionantes.

José Eduardo Mendonça
José Eduardo Mendonça passou por importantes órgãos da imprensa brasileira, como Exame, Gazeta Mercantil e Folha de São Paulo, na qualidade de repórter, editor ou diretor. Escreve sobre as tendências da mídia em seu blog zemediamix.wordpress.com/.