“Comparar Moraes com a Lava Jato é uma bobagem”, diz Pedro Serrano ao DCM

Jurista falou ao DCM Ao Meio-Dia

Atualizado em 18 de setembro de 2023 às 10:13
Pedro Serrano no DCMTV
Pedro Serrano no DCMTV. Foto: Reprodução/YouTube

O jurista Pedro Serrano concedeu entrevista ao DCM Ao Meio-Dia e comentou os editoriais da mídia corporativa que comparam o STF e Alexandre Moraes à Lava Jato. Ele também comentou a delação homologada de Mauro Cid.

A diferença entre os atos de Moraes e a Lava Jato

Fazer alguma comparação do que está se apurando no Supremo e de Moraes com a Lava Jato é uma bobagem. Porque a Operação Lava Jato foi um abuso, foi um abuso atrás do outro.

Por exemplo: no caso do ministro Alexandre [de Moraes], eu me lembro de ter feito uma crítica à manutenção da prisão, e não da prisão cautelar, que foi correta, do ex-ministro da Justiça de Bolsonaro [Anderson Torres]. 10 dias depois ele o soltou.

Soltou o ex-ministro mais ou menos pelos fundamentos que eu formalizei na minha crítica, inclusive aqui no DCM. Há um cuidado para manter a ordem jurídica, manter a Constituição, que não havia na época da Lava Jato.

Você não vê abusos. Bolsonaro está solto. Cid e esse ex-ministro foram presos corretamente. O [Mauro] Cid foi preso numa situação em que o crime estava no aparato para cometimento. Era a inserção de dados dentro dos sistemas de Saúde.

Ainda estava nas mãos de integrantes da quadrilha. Tinha ali a potencialidade de se cometer o crime. Tudo o que foi feito pelas autoridades teve muito rigor, muita cautela, muita correção.

Erros existem no Judiciário. A gente vai criticando os erros na esperança de que se sejam corrigidos. Na defesa da democracia como estamos vendo, erros são naturais de qualquer sistema de Justiça no mundo democrático.

O erro gera uma disfunção no Judiciário, o que é natural. O que houve na Lava Jato foi diferente. Foi uma patologia e não foi uma disfunção. Essa operação foi uma ação coordenada de uma organização criminosa no interior do sistema de Justiça.

Uma organização que agiu como militantes de extrema direita e não como juízes e procuradores. Isso é muito grave.

Na decisão do ministro Toffoli, esse reconhecimento eu acho um dos elementos mais importantes da decisão dele. Toda ela é muito relevante, mas é a primeira vez que um ministro que o Supremo Tribunal Federal afirma isso numa decisão oficial.

Dentro do sistema se reconhece o caráter político da ação criminosa desses agentes da Lava Jato. E isso é muito importante porque a gente tem afirmado isso, é o que a ONU afirmou em certa medida, entre outras entidades. A ONU falou que os direitos de Lula foram vulnerados. E que isso foi criado para interferir na democracia brasileira.

O ministro Toffoli está sendo atacado pela mídia e eu vou dar exemplo. Um editorial que eu li contém um erro primário, um de O Globo. Alguém do primeiro ano de Direito não comete. Todo o pressuposto do editorial é que o Toffoli teria citado os diálogos que teriam sido obtidos criminosamente.

As provas obtidas ilicitamente foram usadas para defesa e não para condenar ninguém. A Constituição proíbe o uso de provas ilícitas para a condenação. Se uma pessoa faz uma interceptação ilegal, que é uma conduta ilícita, e verifica que o juiz está agindo com abuso, que está fraudando julgamento, isso beneficia o réu.

Por exemplo: estou falando com o Pedro no telefone e você grampeia a gente. Na ligação, o Kiko está sendo acusado de ter matado o Pedro e ele está aqui vivo falando comigo. Essa prova não vai poder ser usada para inocentar o Kiko.

A ilicitude da prova é relevante para você não poder condenar ninguém. Isso é primário para qualquer democracia do mundo. É assim. O Globo sabe disso.

O Globo usa isso para confundir o leitor. É uma fake opinion, uma opinião falsa que ele sabe que é falsa. É mais ou menos a mesma relação que houve com a mídia com a ditadura militar. Eles botaram carros desses órgãos de notícia para para proteger agentes do Doi-Codi, que permitiu tortura, sequestro, e mais.

A mídia colaborou com aquele regime, né? Foi a mesma coisa na Lava Jato. As pessoas eram presas para poder fazer confissão, para poder fazer delação, o que é algo trágico. Elas eram jogadas em celas absolutamente inumanas numa sexta-feira, para poder se dizer que não podia transferi-las até segunda.

Onde esse tipo de ignomínia era praticado, tinha jornalista com salinha do lado do delegado. A mídia participou com intimidade desses abusos e tem o rabo amarrado com essa gente.

Então a reação deles não é em defesa das apurações da Lava Jato. A reação dessa mídia é em defesa do próprio rabo. Vamos usar a expressão clara aqui.

Fazem isso em defesa do próprio fato deles terem praticado o chamado jornalismo de acesso. É um nome que se dá quando jornalista obtém a informação sigilosa de um agente público, de uma autoridade do Estado, e ele veicula a versão do Estado.

A imprensa se corrompe. Ao invés dela ser crítica ao poder do Estado, ela se torna a sua longa manus. Ali o Estado era Moro. Alguma dúvida de quanta gente teve suas vidas destruídas?

Destruíram um pedaço da economia brasileira que até hoje não se reergueu. Ali era o Estado. Era o poder de Estado. O papel da mídia deveria ser o de fazer a crítica e não de servir de caixa de ressonância para esses abusos.

Essa mídia corporativa serviu de caixa de ressonância. A imprensa está moral, políticamente e talvez até juridicamente comprometida com algumas coisas da Lava Jato. Ela quer jogar para debaixo do tapete o que nós sempre tivemos no Brasil.

Tivemos o fim do escravismo, tivemos o fim da ditadura de Getúlio [Vargas], tivemos o fim da ditadura militar. 

O fim da ditadura assim: você resolve os prejuízos privados ocasionados, mas põe para debaixo do tapete a questão pública. O resgate público do que houve então na ditadura para saber quem foi torturado, quem foi exilado e alguns receberam uma indenização privada, o que é correto, absolutamente correto.

Mas a grande questão de se fazer o resgate público da ditadura, que era punir quem torturou, mostrar para história quem torturou, quem sumiu com gente, quem abusou, isso não foi feito. Foi para debaixo do tapete.

Vão anular os casos da Lava Jato. Provavelmente daqui a um tempo pessoas que sofreram abusos vão obter indenizações privadas no Judiciário. Resgatar o que houve a nível público, a mídia não quer que aconteça. Porque daí implicaria em ter que envolvê-la na questão da crítica moral e política do que aconteceu.

Então eles querem jogar tudo para debaixo do tapete. Você vê o que está acontecendo com o juiz Appio, por exemplo. Ele está sendo perseguido. O Dallagnol soltou um post longo no Twitter criticando o juiz, com algumas inverdades.

O juiz Appio ousou fazer o que a lei determina e recebeu denúncias de ilícitos cometidos durante a Lava Jato. Ele não fez nada além de mandar apurar.

O ministro Toffoli é criticado porque tomou uma decisão corretíssima, recolocando o trem nos trilhos da legalidade do país. A mídia reagiu mal e não aceita nenhum tipo de Justiça pública em relação ao que foi a Lava Jato.

Até a ONU já abordou os abusos da Lava Jato, Mas tratam como se os abusos fossem perdas colaterais. ‘Ah, foram lá no Vietnã e mataram um monte de japonesinho lá. Pronto, acabou, né?’.

Não, não é assim. A Lava Jato foi fundamentalmente estruturada para cometer abusos. Pegou algumas corrupções verdadeiras e usou isso como legitimação para pegar gente que não tinha nada a ver para poder interferir na política.

Até quando eles acertaram, eles erraram. Os abusos não foram secundários na Lava Jato.

Nós não tivemos uma eleição livre em 2018 com o acobertamento da mídia que hoje se põe como defensora da democracia. Ali começou um ciclo histórico que se redundou no dia 8 de janeiro de 2023.

E a mídia não quer que se faça a conexão, porque ela vai colocar um pedaço da sua responsabilidade em pauta. Toffoli nada mais fez do que reproduzir decisões anteriores do próprio Supremo e e de um comitê da ONU.

Serrano fala sobre Lula e as decisões do STF

Com relação a fala do presidente [sobre ter ou não sigilo de decisões], acho que a gente tem que tomar a fala com cautela. O presidente não é um técnico, não é um jurista, nem tem que ser ele quando fala isso.

Lula fala como cidadão. Supremo Tribunal Federal não é tema para chefe de Executivo tratar. Então obviamente ele fala como cidadão e como liderança política. E ele levanta uma discussão muito importante, eu acho.

Levanta a discussão sobre a questão da publicidade das decisões do Supremo. Não é sobre decisões serem ou não públicas.

Vamos colocar as coisas com a transparência. Ela é uma obrigação. A própria Constituição determina. Mas essa transparência ocorre tornando-se pública decisão judicial.

O presidente da República em nenhum momento falou que não deveriam ser públicas as decisões. Teve gente que foi até imprensa para criticá-lo dizendo que ele é contra publicidade.

Não é contra. Lula só falou que ele acha que deveria ter um modelo semelhante a outros países. Nos Estados Unidos não é exatamente assim, mas é semelhante.

Não tornar pública a adesão de um ministro não preservaria o Supremo. Pode até preservar a pessoa de algum ministro, mas o STF não.

É natural numa democracia a Suprema Corte sofrer críticas da opinião pública e ter desgaste junto à opinião pública. E muitas vezes ela tem que ter desgaste por razões corretas.

O desgaste do Supremo às vezes é desejável porque o STF é uma instituição anti-majoritária. Ele tem papel principal ir contra as maiorias quando as maiorias estão equivocadas, quando elas estão erradas por não cumprir esse papel.

O Supremo permitiu os abusos da Lava Jato, até por suas inações. O STF tem que cumprir esse papel. Por não fazer isso, o golpe contra a Dilma foi consumado. 

Então é necessário que ele cumpra esse papel anti-majoritário, que implica em desgastes ocasionais. Quem não está disposto a isso, que não seja ministro do Supremo Tribunal Federal.

O ministro não deve ir para o restaurante. É para comer por iFood mesmo. A pessoa assume para sua vida isso quando resolve ser ministro do Supremo. Assumir um cargo cuja natureza dele é ser anti-majoritário não é para uma pessoa que ache ruim as críticas.

Ao contrário. Tem que ouvir as críticas. O Supremo, no nosso sistema, é a instância final de decisão. Não há o que fazer em relação uma decisão suprema a não ser criticar e criar aquilo que os alemães chmam de constrangimento epistemológico, o ‘strike’.

Se for da Corte, você deve ouvir a crítica e procurar melhorar sua futura decisão. É a única forma de controle democrático. Querer inibir essas críticas é querer matar a democracia em termos da jurisdição.

Por isso que o presidente Lula tem que ter cautela quando faz essas críticas. O presidente está corretíssimo sobre a divulgação. O Brasil é o único país do mundo que que televisioniza.

No mundo civilizado, nem jornalista pode ingressar no ambiente de um julgamento penal. Nem jornalista pode tirar foto. Você pode ver que nos filmes americanos aparece sempre um cara desenhando.

Para evitar o linchamento, o julgamento penal sempre é discreto. No nosso caso, no Brasil, nós televisionamos o julgamento penais do Supremo. Isso é um equívoco.

Embora haja um acerto ao televisionar ações de inconstitucionalidade que tratam de grandes questões políticas e morais. É uma questão a ser debatida.

A posição do presidente é correta. Precisamos debater esse tema para melhorar a qualidade da democracia. Alguns julgamentos não devem mesmo ser tão públicos como é o caso do julgamentos penais.

Eles tendem a produzir linchamento. Por último, o ministro do Supremo que não quer sofrer crítica, que ele saia do cargo. Não é obrigado a ficar lá. Ele tem que saber que, como é o último a decidir no sistema, tem de ser criticado.

Senão não há outro modo para corrigir algum erro. Somos totalmente contra os ataques contra o Supremo. Eu inclusive fui muito incisivo nisso. Manter a democracia é permitir a crítica fundada das decisões, o constrangimento epistemológico.

Sem isso, não há democracia. A população está correta em cobrar uma ministra negra e progressiva. Eu sou a favor nessa segunda vaga [de Rosa Weber].

Tem que ser outra mulher no lugar. Já temos duas mulheres entre 11 ministros. Essas questões de gênero são relevantes e vão enriquecer a Corte. Importante que a Corte que seja um mix mesmo de posições ideológicas, de gênero, de orientação sexual.

Falta um gay assumido no Supremo, por exemplo. Um LGBTQIAP+ assumido. Nós precisamos dessa riqueza de formações no Supremo.

Eu sei que existem muitas mulheres comprometidas com o presidente Lula. Comprometidas com uma visão progressista. Posso apontar dezenas em cada estado brasileiro e muitas delas negras.

Então eu acho que o Lula tem que selecionar dentre essas agora. Não é pelo fato de ser mulher e negra que justifica estar lá. Existe mulher negra que é reacionária. Isso nós não precisamos.

Aí seria melhor um homem, um homem progressista. Acho que aumentar a diversidade na Corte é muito positivo com a própria Corte.

Aumenta a inteligência da Suprema Corte e aumenta a capacidade dela de compreender os problemas que estão lá estão postos.

Serrano fala sobre a validade da delação de Mauro Cid

Existe um conflito aí sempre entre as corporações, entre o Ministério Público e a polícia. Um dizendo que o outro não pode homologar a delação. Ficam disputando o poder e a competência.

A realidade é que essa delação por isso não vai ser invalidada. Eu tenho um questionamento antigo se é constitucional você obter relação de gente presa.

Mas essa é uma questão que não vingou na jurisprudência. As pessoas não dão muita bola para esse argumento agora. O que há na jurisprudência e na lei muito claramente é o seguinte: uma delação só tem valor jurídico real, só tem relevância jurídica verdadeira, se ela apresentar a provas ou o caminho para obtenção das provas.

Esse é o primeiro requisito. A delação em si não tem muita coisa. É uma fala de um sujeito que está querendo se isentar da pena.

No caso, o Cid quer sair da prisão. Então ele fala o que quiser para poder sair. Nós já vimos isso na Lava Jato. Poder ter algum valor jurídico mais relevante e precisa apresentar provas ou caminho para obtenção das provas. E obviamente aqueles outros requisitos.

Não pode ter sido obtido sob coação, não pode ter sido obtido por mecanismos de tortura psíquica, que sempre é algo possível de existir quando o corpo da pessoa tá sob domínio do Estado, na prisão.

O Vaccari teve quatro ou cinco delatores contra ele e foi inocentado, porque não apresentaram provas. Foi corretamente inocentado porque não praticou o crime.

Na operação Mãos Limpas, existiu articulação entre delatores e isso depois se demonstrou falso.

Há uma fala no Direito que é até preconceituosa, que a testemunha é a prostituta das provas. Você se engana como testemunha. Imagina então a delação premiada?

Delação não é nada se ela não vier acompanhada de provas, ou de caminhos de prova. Delação não é nada.

Não é para querer desmerecer a delação do tenente-coronel. Acho importantíssima essa delação. Só que a gente tem que observar o que ela vai trazer de provas e de caminhos para prova para poder avaliar.

Não dá para avaliar ainda. Não dá para você ainda chegar em uma conclusão.

Achei muito boa a decisão do ministro Alexandre de soltá-lo. Assim, tudo o que ele falar agora não está sob domínio do corpo dele. Cid não está sob domínio do Estado.

Isso legitima muito o que ele fala, mas ainda assim é importante dizer que ele precisa apresentar provas ou meios de prova. Isso está claro na lei.

A lei fala que a delação não tem valência jurídica. Não vale se ela não apresentar caminhos de prova ou provas. É questão de paciência. Tem que se aguardar para verificar o que ele vai apresentar de provas.

Acho que um ministro responsável como é o ministro Alexandre nem homologaria uma delação se não tivesse nenhuma possibilidade de pelo menos ele apresentar caminhos para as provas.

Mas na Lava Jato nós tivemos dezenas de delações homologadas que depois foram arquivadas por falta de prova. Você não pode confiar que existem provas lá.

Veja a entrevista completa abaixo.

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Pedro Zambarda de Araujo
Escritor, jornalista e blogueiro. Autor dos projetos Drops de Jogos e Geração Gamer, que cobrem jogos digitais feitos no Brasil e globalmente. Teve passagem pelo site da revista Exame e pelo site TechTudo. E-mail: pedrozambarda@gmail.com