
Uma anotação encontrada no celular da delegada da Polícia Federal (PF) Marília Ferreira, ex-braço direito de Anderson Torres, afirma que “havia uma certa pressão” após o primeiro turno das eleições para que ela indicasse uma relação do PT, partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com facções criminosas. A informação foi divulgada pelo jornal Folha de S.Paulo.
A anotação, redigida em primeira pessoa, oferece um vislumbre da movimentação no Ministério da Justiça em relação à preocupação de Torres com o Nordeste, em especial com a Bahia. Este estado conferiu a Lula (PT) mais de 72% dos votos válidos, o segundo maior percentual do país.
O texto estava no bloco de notas do celular de Marília, entregue pela Apple à CPI do 8 de janeiro. Não é possível saber a data em que ele foi escrito. O relatório da Apple diz apenas que as cinco notas do celular são do período entre 31 de dezembro de 2021 e 18 de agosto deste ano.
“Havia uma preocupação do ministro com o Nordeste e ele falava muito na Bahia, pois havia visto no mapa com o planejamento do primeiro turno que havia muito pouca distribuição de equipes no interior da Bahia. Desde antes do primeiro turno a DINT [Diretoria de Inteligência] recebia dezenas de vídeos e postagens de pessoas, a maioria delas fake news, sobre compra de votos e ligação do PT com facções criminosas”, diz trecho do texto.
“Toda notícia ou informe que chegava, tentávamos fazer a confirmação, pedindo o BO [boletim de ocorrência] ou consultando o centro de inteligência respectivo. Então, algo que estava arraigado ali na SEOPI [Secretaria de Operações Integradas do ministério] era essa relação do PT com compra de votos, e sempre comentávamos sobre isso”.
As revelações de Marília Ferreira lançam luz sobre as investigações em curso, que apuram a possibilidade de a Polícia Rodoviária Federal (PRF) ter organizado blitze no segundo turno para prejudicar eleitores do PT e favorecer o então candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL).

A suspeita é que essa operação tenha sido planejada com base em um levantamento realizado por Marília, identificando locais com alta votação para Lula no primeiro turno. Vale destacar também que Silvinei Vasques, ex-diretor da PRF, está sob prisão preventiva desde agosto.
“Havia uma certa pressão para que eu fizesse um relatório que indicasse a relação do PT com facções criminosas, pois havia alguns indicativos disso, mas não fizemos porque não havia comprovação”, diz outro trecho do texto.
A anotação também menciona a pressão exercida por Torres para que a Polícia Federal aumentasse seu efetivo durante o segundo turno das eleições. O ex-ministro chegou a mencionar a possibilidade de substituir o então diretor-geral da corporação, Márcio Nunes, caso Bolsonaro fosse reeleito.
O texto aponta ainda que Torres considerava que a PF estava fazendo “corpo mole, o que levou a Secretaria de Operações Integradas a planejar suas próprias ações. O texto descreve ainda uma reunião entre as equipes do ministério e da corporação sobre os indícios de compra de votos no Nordeste.
“Márcio perguntou se havia relatório de inteligência sobre isso, eu disse que ia tentar ver se conseguíamos demonstrar o incremento de crimes eleitorais para que houvesse justificativa de aumento de efetivo em relação ao segundo turno. Porém, conversei com o Tomás [supostamente Tomás Vianna, ex-coordenador de inteligência do ministério], e concluímos que não havia esse incremento”, diz o texto.
A defesa de Marília, no entanto, afirmou em nota que desconhece a suposta anotação: “A defesa técnica não teve acesso e desconhece essa suposta anotação. Se ela existir, é sigilosa e seu vazamento deve ser apurado”.