
“Um porto revitalizado, com as pessoas circulando livremente, sem ter aquele muro que dividia o antigo porto da cidade. Nesses antigos armazéns, restaurantes, espaços de cultura, de lazer, co-working, espaços de inovação, sem precisar pagar nada para entrar lá. Isso está perto de se tornar realidade, porque a gente acaba de publicar o edital de parceria público-privada para a revitalização desses armazéns”.
Com esse discurso, Eduardo Leite, governador do Rio Grande do Sul, defendia a derrubada de parte do muro do cais Mauá como uma obra para revitalizar o centro de Porto Alegre. Segundo ele, “o investimento previsto nessas parcerias era de um montante de R$ 300 milhões apenas na parte dos armazéns”.
No mesmo vídeo, publicado em novembro de 2021, Leite falava de “torres de edifícios” na orla. Para o governador, “quando somados os investimentos de construção na área do cais Mauá, o investimento total poderia bater a casa do R$ 1 bilhão”. Já em fevereiro de 2024, um leilão na Bovespa confirmou o investimento de R$ 350 milhões no cais Mauá.
A catástrofe ocorrida em Porto Alegre e cercanias da capital gaúcha foi um combo de negacionismo climático e neoliberalismo. Outro tucano gaúcho, o então candidato a prefeito Nélson Marchezan, também tinha planos de derrubar o muro de contenção do Rio Guaíba: “Eu quero derrubar o Muro do Cais da Mauá, eu gostaria de ser o piloto do trator que irá derrubar o muro. Temos muitos muros que deveriam ser derrubados, mas que não são por medo”, disse Marchezan, na ocasião.
O muro do cais Mauá simboliza a luta entre duas visões econômicas. Idenir Cecchim, líder do prefeito Sebastião Melo na Câmara, desengavetou um projeto de 2010 para derrubar o muro. A justificativa técnica se baseia em pesquisas com o seguinte argumento: uma cheia como a de 1941 – razão pela qual o muro foi erguido – só aconteceria a cada 1500 anos. Felipe Camozzato, deputado estadual do NOVO, também defendeu a derrubada do muro.
Em setembro de 2023, num período de baixa do rio Guaíba, Leite esteve na abertura das comportas do Sistema de Proteção Contra Cheias de Porto Alegre. Na visita ao porto, o governador defendeu um novo sistema de comportas contra as cheias e a derrubada do muro do cais Mauá.
“Não é hora de apontar culpados” dizem.
Este é o @EduardoLeite_, governador do RS, defendendo a demolição do muro Mauá em Porto Alegre. Esse muro é a contenção de enchentes no Guaíba.
Esse vídeo envelheceu mal como Leite no sol! pic.twitter.com/tWpy8qi0c4
— Rodrigo Sartoti ??? (@sartoti) May 10, 2024
O sistema defendido pelo governo do Estado prevê uma espécie de arquibancada junto ao rio, com uma elevação de 1,20 metro. Um outro sistema retrátil funcionaria de maneira complementar. Numa cheia como a de 2023, na qual o Guaíba chegou a 3,18 metros, a barreira fixa seria suficiente. As barreiras retráteis seriam utilizadas em eventos em que o nível ultrapassasse os 4,20 metros, – os 3 metros da cota de inundação mais a altura da barreira fixa.
Além da falta de manutenção das comportas, da não utilização das bombas de drenagem, outros fatores contribuíram para o desastre anunciado de Porto Alegre. O mesmo Leite derrubou 480 pontos do código florestal estadual do RS no primeiro ano do seu primeiro mandato, ainda em 2019.
Entre a apresentação do projeto em setembro de 2019 e a aprovação na Assembleia do RS em 11 de dezembro, foram apenas 75 dias – só não transcorreu ainda em menor tempo porque uma decisão judicial impediu a tramitação em 30 dias em regime de urgência. Nesse ínterim, houve apenas uma audiência pública, que terminou em bate-boca.
“É um projeto desestruturante, destruidor e prostituinte, porque prostitui a questão ambiental numa liberalização infundada que destrói 10 anos de trabalho”, reagiu Francisco Milanez, então presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan). O resultado apareceu apenas cinco anos depois, devastando 75% das cidades do estado.