O conselho maluco da blogueira do fitness para as mulheres não engordarem. Por Nathalí Macedo

Atualizado em 9 de novembro de 2015 às 21:49
Gabriela não foi bem
Gabriela não foi bem

A ditadura da beleza está enlouquecendo as pessoas.

Na última semana, a blogueira do fitness Gabriela Pugliesi – conhecida por dar dicas de beleza e magreza às suas seguidoras – sugeriu uma maneira no mínimo absurda de se manter na dieta: enviar nudes para uma amiga que publique as imagens caso você “falhe na dieta.” Como se não bastasse a imposição exaustiva de um padrão de beleza, coloca-se, agora, a própria intimidade em jogo.

A primeira coisa que precisamos nos perguntar: por que nós não podemos falhar na dieta? Por que precisamos nos submeter a uma rotina de privações em nome de uma magreza que sequer nos apetece?

Numa segunda análise, as coisas ficam ainda mais estarrecedoras: sugerir que postemos nudes “vergonhosos” de nossas amigas como forma de puni-las por não terem se esforçado o suficiente para serem magras é um claro estímulo à velha e estúpida opressão de mulher para mulher: “O seu nude não parece atraente o suficiente! Veja como você realmente precisa substituir o seu jantar por um shake para ser tão bonita quanto a Pugliesi!”

Além de um desserviço à auto-estima, “dicas” como estas são também um desserviço à própria sororidade. É a nítida doutrinação de um exército de mulheres prontas para destruir ainda mais a auto-estima de outras mulheres – como se a mídia não desse conta disto com maestria – e o pior: acreditando cegamente que estão prestando um favor, promovendo um saudável estímulo mútuo – uma maneira de incentivar outras mulheres a darem o melhor de si para serem “lindas”.

O que precisamos entender é que ser linda não é necessariamente ser magra. E mesmo que ainda tenhamos Pugliesis, piadas gordofóbicas e capas da “Dieta já!” com “dicas para emagrecer, recuperar a auto-estima e agarrar de vez o homem amado”, eu preciso falar a todas as mulheres comuns – e lindas: nós não precisamos de nada disso.

Não precisamos da dieta líquida ou Dukan, não precisamos seguir as dicas da Gabiela Pugliesi, não precisamos de manequim 38. Você não é um número na balança. Você pode ser – e é – bonita sendo exatamente quem você é.

Cuidar-se, é óbvio, é uma das tantas maneiras que encontramos de declarar nosso amor por nós mesmas – e não é, portanto, condenável. Ao contrário: praticar exercícios, comer bem e manter hábitos saudáveis são também maneiras válidas de saber-se bonita, sentir-se bonita, e, enfim, amar-se. Mas cuidar de si não tem absolutamente nada a ver com padrões. A quem sabe enxergá-la, a beleza é muito mais do que um corpo torneado. Ser bonita é sentir-se bem na própria pele, independente do seu manequim. E, acredite, o apreço sincero por si mesmo é mais afrodisíaco que uma perna torneada fabricada numa academia.

Em um mundo que nos oprime, nos sexualiza e dita regras sobre o nosso corpo, nós não precisamos de blogueiras como Gabriela Pugliesi. Nós já temos a televisão com protagonistas brancas e magérrimas. Temos as revistas “femininas” com uma doutrinação cada vez mais patética sobre o nosso corpo, as nossas escolhas, o nosso comportamento. Nós já temos as capas photoshopadas de revistas que só nos convencem de que não somos boas o suficiente.

É claro que cada mulher faz as próprias escolhas. Se um corpo definido – à custa de inúmeras privações e exercícios exaustivos – é o ideal de felicidade de algumas mulheres, paciência. Nenhuma mulher merece ser oprimida por ser gorda, magra, atlética ou qualquer que seja sua forma física.

Acontece que quando se tem a anorexia como doença mental que mais mata no mundo (segundo Gláucio Soares, pesquisador o Instituto de Estudos Sociais e Políticos, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro) é preciso que se pense sobre os padrões de magreza e suas implicações na vida das mulheres.

Quantas mulheres têm sua auto-estima destruída por uma doutrina que só fortalece os padrões estabelecidos? Quantas morrem – vítimas de anorexia, depressão, bulimia ou intervenções estéticas desnecessárias – em nome de um padrão de beleza inatingível? Quantas mulheres ainda acreditam que precisam vestir 38 para serem bonitas?

Parece que Gabriela Pugliesi não se importa com isso, desde que as mulheres não falhem na dieta.

E isso me parece ainda mais repugnante quando vindo de uma pessoa pública, seguida de perto por milhões de mulheres que encaram as suas “dicas” como verdadeiros pré-requisitos para o sucesso – porque o sucesso, necessariamente, passa pela magreza. E isso é muito mais do que alienação: é a inadmissível irresponsabilidade sobre o próprio poder de influência.

Nós precisamos de mulheres que nos ajudem a manter a nossa auto-estima sem que precisemos obedecer a nenhum padrão além do nosso próprio. Precisamos de mulheres que nos empoderem, nos ensinem que amor próprio e liberdade andam de mãos dadas.

O que mulheres como Pugliesi precisam saber é que vazar nudes na internet como autopunição é o cúmulo da irracionalidade. Que nem todas as mulheres precisam ser magras. Que nem todas as mulheres QUEREM ser magras. Que há algumas mulheres que não escolhem ser gordas ou magras demais. Que nenhuma mulher é obrigada a ter barriga negativa pra ser linda. E que nossa auto-estima não precisa do desserviço que essa moça nos prestou.

O que precisamos compreender é que nada é mais lindo que a liberdade: seja, portanto, gorda, magra, natural, atlética, musculosa – seja o que você quiser! – mas seja livre. Isso significa necessariamente entender que deixar-se influenciar por panicats, capas de revista ou blogueiras como Pugliesi é renegar esta liberdade que nos pertence, talvez a mais importante de todas: a liberdade de sermos quem somos.

Dieta nenhuma compra a nossa intimidade, a nossa liberdade, a nossa união, a nossa auto-estima limpa de padrões.

E, em tempo: Expor o nosso corpo não é vergonhoso, não é reprovável, não é uma punição – desde que que a escolha seja nossa.

Nathalí Macedo
Nathalí Macedo, escritora baiana com 15 anos de experiência e 3 livros publicados: As mulheres que possuo (2014), Ser adulta e outras banalidades (2017) e A tragédia política como entretenimento (2023). Doutora em crítica cultural. Escreve, pinta e borda.