O bebê fantasiado de macaco é um sinal de que precisamos falar de racismo
A polêmica foto de um bebê negro fantasiado de Abu, macaquinho de estimação de Aladdin, e acusações de racismo que ela provocou após viralizar nas redes sociais mostram como o racismo e suas várias manifestações é um assunto que precisa ser debatido no dia a dia.
Fernando Bustamante, pai adotivo do menino Mateus, de dois anos, fantasiou o filho de acordo com o tema que a família iria usar para se divertir no Carnaval. O pai era o Aladdin, a mãe a princesa Jasmine e o bebê seria o Abu.
A foto da família fantasiada se espalhou pelas redes sociais e não demorou para o pai ser acusado de racismo. Ao Extra, Bustamante disse que a fantasia faz parte do seu acervo profissional – ele trabalha com teatro – e a escolha do traje do filho foi uma ingenuidade da sua parte.
“No mundo ideal, a gente não teria que ter ressalva em escolher uma fantasia para o nosso filho. Fui muito idealista, talvez tenha que ser mais realista. O Abu é o melhor amigo do Aladim, o confidente e companheiro dele. O Mateus é isso para mim”, explicou.
Não há motivos para duvidar das palavras de Bustamante. Só a ingenuidade justifica um pai colocar uma fantasia estigmatizada como a de macaco em uma criança negra.
Talvez a ofensa mais comum destinada aos negros seja o xingamento de macaco, cujas origens remontam ao início do século XIX, época em que estudos questionando o origem divina da vida humana estavam em voga.
Com o tempo, interpretações tendenciosas de estudos de Lamarck e mais tarde de Darwin colocaram o negro africano em um patamar evolutivo inferior mais próximo aos macacos e distante do branco europeu, considerado o mais evoluído.
Na época, esse pensamento foi usado para justificar o escravismo e o colonialismo europeu em terras africanas. A política colonialista ficou para trás, mas as ofensas continuam com o propósito de animalizar o negro e rebaixá-lo ao mesmo nível de seres irracionais.
Se Bustamante estivesse atento aos significados implícitos na fantasia de macaco, pensaria duas vezes antes de sair com a família fantasiada de trupe do Aladdin.
Mas o problema é que a escravidão brasileira nunca foi considerada uma ferida aberta, um fato histórico do qual o país deveria se envergonhar e promover formas de reparação. Como consequência, racismo e outros efeitos perversos da escravidão negra raramente são debatidos fora dos círculos acadêmicos ou ligados a ativismo do movimento negro.
A ideia que se difundiu é de que a escravidão acabou em 1888, após um ato de caridade da Princesa Isabel, e pronto. Não se fala mais nisso.
O resultado está aí. Hoje tem muita gente bem informada, com bom nível de instrução mas que desconhece a origem racista da palavra “mulata”. Da mesma forma, só recentemente, depois de carnavais e mais carnavais, é que a fantasia de “nega maluca” passou a ser criticada por ser ofensiva às pessoas negras.
Tudo seria diferente se a atenção a cada palavra, gesto ou prática para evitar a reprodução de práticas racistas fosse rotina entre as pessoas. É o que a executiva Mellody Hobson chamou de “valentia à cor”, em uma palestra no TED.
Bustamante teve uma atitude de “valentia à cor” quando decidiu adotar uma criança negra. Na sua página no Facebook há uma post em que ele relata o comentário ofensivo que uma criança de três anos fez em relação à cor do seu filho e revela atenção a respeito da diversidade.
“Hoje Mateus foi na segunda aula de natação. No vestiário infantil, enquanto Cynthia dava banho nele, uma criança de 03 anos fala para a mãe:
– Olha mãe… ele tá sujo!
– Tá sujo não meu filho… tá limpinho!
– Tá sujo sim… sujo de lama!
Pode? Uma mãe não falar de diversidade com o filho?”
Nem isso o impediu de cometer um equívoco. Agora, está com a família exposta e enfrenta um verdadeiro tribunal virtual, cujas críticas são desproporcionais ao ato praticado por Bustamante.