Aprendendo com o inimigo: lições da extrema-direita dos EUA para a esquerda brasileira

Atualizado em 12 de novembro de 2024 às 20:35
Donald Trump, presidente dos EUA

POR REYNALDO ARAGON, jornalista, diretor da Rede Conecta de Inteligência Artificial e Educação Científica e Midiática e pesquisador associado ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Disputas e Soberania Informacional (INCT – DSI)

Enquanto a extrema-direita nos Estados Unidos, liderada por Donald Trump, alcança o trabalhador com mensagens diretas e vence eleições, no Brasil, Lula parece desviar-se de temas que ressoam entre as massas. É crucial que a esquerda brasileira reavalie sua abordagem ou arrisca-se a perpetuar o ciclo de desilusão política e crescimento do populismo reacionário.

Estamos diante de uma crise de representatividade global, exacerbada pela desilusão com as instituições políticas e aprofundamento da fragmentação social. A extrema-direita tem se destacado não só por seu populismo, mas por um elemento que a esquerda parece ter negligenciado: o engajamento direto com a classe trabalhadora.

A campanha de Trump em 2024, por exemplo, destacou-se por abordar questões econômicas cruciais, apesar de sua retórica reacionária. Em contraste, o Partido Democrata, com Kamala Harris à frente, fixou-se em uma agenda identitária que se desconectou das preocupações diárias da população, resultando em derrota eleitoral.

No Brasil, a situação é paralela. A esquerda, historicamente aliada aos trabalhadores e defensora de seus interesses, hoje se enreda em pautas identitárias que, apesar de válidas, não mobilizam a maioria. Os trabalhadores, núcleo da base eleitoral de Lula, clamam por respostas imediatas a desafios como emprego e segurança alimentar, mas encontram um governo distante dessas realidades.

Um dos principais dilemas da esquerda contemporânea é a percepção equivocada de que deve escolher entre focar em pautas identitárias ou na luta de classes. Essa divisão, explorada pela extrema-direita para fragmentar movimentos progressistas, ignora que as questões de identidade e as lutas de classe estão intrinsecamente ligadas. O racismo, machismo e homofobia são usados para dividir a classe trabalhadora e perpetuar a exploração econômica.

Contudo, a esquerda muitas vezes aborda as pautas identitárias de maneira isolada, sem integrá-las a um projeto de transformação econômica mais amplo. Isso pode levar a debates que, apesar de importantes, não mobilizam a base popular em um contexto de crise econômica e crescimento do extremismo. Para o trabalhador comum, que luta para sustentar sua família, tais discussões podem parecer desconectadas de suas necessidades diárias.

A extrema-direita aproveita essa desconexão, apresentando-se como defensora dos “valores tradicionais” e explorando o ressentimento daqueles que sentem suas preocupações imediatas sendo ignoradas. Seu discurso contra o “politicamente correto” e as “agendas progressistas” é usado para manipular o descontentamento popular e direcioná-lo para narrativas de ódio e exclusão.

Este é um esforço claro para dividir e enfraquecer a sociedade, distraindo-a dos verdadeiros problemas estruturais como a desigualdade de renda, exploração do trabalho e influência do capital no Estado.

A esquerda brasileira, portanto, não deve abandonar as pautas identitárias, mas recontextualizá-las dentro de um projeto de luta de classes e emancipação popular. É fundamental mostrar que o combate ao racismo, machismo e homofobia é essencial na luta contra o capitalismo, pois essas formas de opressão são usadas para manter a classe trabalhadora dividida.

Por exemplo, quando um trabalhador negro enfrenta discriminação no emprego, não se trata apenas de uma questão de identidade, mas também de exploração econômica. Da mesma forma, quando uma mulher é preterida em uma promoção, isso perpetua hierarquias capitalistas.

A esquerda precisa reforçar sua capacidade de conectar essas lutas a um discurso mais amplo de justiça econômica que ressoe com as realidades concretas das massas. Assim, poderá mobilizar tanto a base trabalhadora quanto movimentos sociais, formando uma frente unida contra a exploração e desigualdade. Em vez de cair nas divisões impostas pela extrema-direita, é crucial afirmar que a verdadeira libertação só virá ao combater todas as formas de opressão, integrando essas demandas em um projeto político coeso que reconstrua a confiança popular e fortaleça a base de apoio progressista.

Gráfico mostra o apoio nos EUA das classes trabalhadores ao Partido Republicano

Francisco Teixeira, professor e historiador, aponta para a necessidade urgente de realinhamento da esquerda: “É fundamental que a esquerda, incluindo o governo Lula, reavalie e reoriente seu discurso para reconectar-se com sua base tradicional. Integrar as pautas identitárias a um projeto de desenvolvimento que aborde as demandas econômicas dos trabalhadores é crucial para contrariar o apelo da extrema-direita.”

A lição da vitória de Trump é clara: o poder de um discurso que, apesar de problemático, centraliza as preocupações econômicas e o orgulho nacional. A esquerda no Brasil enfrenta um dilema: manter-se em uma agenda desconectada das urgências populares ou revisitar as estratégias que propiciaram seu crescimento, falando diretamente aos trabalhadores e advogando por suas necessidades concretas.

É hora de aprender não só com os erros, mas também com os acertos inesperados da extrema-direita.