“Morte ficta”: Forças Armadas pagam R$ 43 milhões por ano em pensão fora da lei, diz relatório

Atualizado em 17 de dezembro de 2024 às 11:19
Soldados do Exército: Forças Armadas pagam milhões por ano em pensão fora da lei. Foto: reprodução

Um relatório técnico do Tribunal de Contas da União (TCU) concluiu que as Forças Armadas pagam pensões a familiares de militares expulsos, sem respaldo na legislação brasileira. Conhecida como pensão por “morte ficta”, a prática gera um custo de aproximadamente R$ 43 milhões por ano aos cofres públicos, conforme informações do colunista Tácio Lorran, do Metrópoles.

Entre os beneficiários estão parentes de militares envolvidos em crimes como homicídio, tráfico internacional de drogas e tentativa de estupro.

O pagamento de pensões e aposentadorias das Forças Armadas tem chamado a atenção do Ministério da Fazenda, que busca medidas para equilibrar as contas públicas. Mudanças na Previdência militar foram incluídas no pacote fiscal, mas a discussão sobre as alterações deve ocorrer somente no próximo ano.

Dados obtidos pela Fiquem Sabendo, via Lei de Acesso à Informação (LAI), mostram que em 2023 as Forças Armadas pagaram R$ 43 milhões em pensões por morte ficta. O benefício atendeu cerca de 530 familiares do Exército, Marinha e Aeronáutica. A proposta da Fazenda inclui o fim desse benefício para parentes de militares expulsos, que atualmente perdem a patente, mas garantem o pagamento aos familiares.

A base legal usada para a pensão é o artigo 20 da Lei nº 3.765/1960, modificado pela Lei nº 13.954/2019, que estabelece: “O oficial da ativa, da reserva remunerada ou reformado, contribuinte obrigatório da pensão militar, que perder posto e patente deixará aos seus beneficiários a pensão militar correspondente ao posto que possuía, com valor proporcional ao tempo de serviço.”

Porém, a Unidade de Auditoria Especializada em Pessoal (AudPessoal) do TCU contesta a interpretação atual e afirma que a pensão por morte ficta não tem previsão expressa na lei para casos em que o militar ainda está vivo.

De acordo com o relatório técnico, a pensão resulta de uma “interpretação anacrônica” e contrária aos princípios constitucionais. “O pressuposto da ‘morte ficta’ pode ser visto como um estímulo à má conduta daquele militar que deseja se desligar das Forças Armadas, mas que não tem todos os requisitos para solicitar a reserva remunerada, a gerar situações que motivem sua exclusão”, aponta o TCU.

O documento ainda critica o benefício ao afirmar que ele confere vantagens desproporcionais aos familiares de militares expulsos, uma vez que dependentes de militares da ativa só têm direito à pensão após o óbito do contribuinte, que contribui durante toda a carreira.

Área técnica do TCU diz que pagamento de pensão por morte ficta não tem amparo na lei brasileira
Área técnica do TCU diz que pagamento de pensão por morte ficta não tem amparo na lei brasileira. Foto: reprodução/Metrópoles

O relatório, datado de 25 de novembro, foi anexado a um processo que questiona o pagamento da pensão à esposa do ex-major Ailton Gonçalves Moraes Barros, indiciado pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado e fraude em cartões de vacinação contra a Covid-19.

A esposa, Marinalva Leite da Silva Barros, recebe mensalmente R$ 22,8 mil de pensão. O ex-major foi expulso do Exército em 2006 por ser considerado incompatível com o oficialato.

Outro caso citado é o do ex-segundo-sargento Manoel Silva Rodrigues, expulso da Aeronáutica em 2022, após ser flagrado transportando 38 quilos de cocaína em uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB) na Espanha, em 2019. A família do militar, que foi condenado por tráfico internacional de drogas, recebe R$ 5,7 mil mensais.