
O médico francês Joël Le Scouarnec, acusado de ter agredido sexualmente cerca de 300 pacientes, a maior parte deles menores de idade, confessou durante seu depoimento nesta sexta-feira (7) que também cometia violências sexuais contra crianças próximas de sua família. Ele relatou ter agredido amigas de seus filhos, quando as crianças tinham 6 anos de idade.
Hoje com 40 anos, S. contou diante do tribunal fatos que aconteceram nos anos 1990, quando foi convidada várias vezes na casa do filho de Joël Le Scouarnec, que era seu amigo de infância. A primeira agressão ocorreu quando ela tinha apenas seis anos e o médico a atacou sexualmente em um dos quartos da residência.
A mãe da menina estava na sala ao lado, conversando com o restante da família. Algumas semanas depois, na mesma casa, o médico a seguiu quando S. foi ao banheiro e houve uma nova penetração. Na terceira tentativa, em um outro dia, a criança conseguiu fugir e lembra de ter “corrido para perto da mãe”.
Em seu depoimento, Joël Le Scouarnec diz no início que não se lembra do nome da vítima, mas, pela primeira vez desde o começo do processo, deu detalhes precisos do que ele chamou de “episódio do banheiro”.
“Aproveitei o fato de que (um dos meus filhos) estava trazendo amigos (para a casa) para abusar deles”, confessou. Naquele dia, “eu estava atento ao momento certo e, quando vi a pequena S. indo ao banheiro, fui atrás dela para cometer os atos sobre os quais escrevi”, completou o médico, fazendo referência aos diários usados para registrar suas agressões.
Apesar das longas descrições, desde o início de seu julgamento, em 24 de fevereiro, o acusado justificou não se lembra da violência sexual que infligiu às suas vítimas pois dizia sofrer de “memória seletiva”. Mas ao ser questionado nesta sexta-feira pela juíza, Aude Buresi, que frisou a recordação tão precisa por parte do acusado do “episódio do banheiro”, o médico admitiu ter “cometido esses atos” e reconheceu tê-la “estuprado”.
Em seguida, ele explicou que a sua estratégia era falar o mínimo possível durante e após as agressões para, numa tentativa de banalizar o que fazia, silenciar as crianças. “Vocês acham que eu teria corrido o risco de dizer a uma criança: ‘Acima de tudo, não diga nada’? Isso teria chamado ainda mais a atenção. Eu queria que o que eu estivesse fazendo parecesse natural. Dizer à criança: ‘Cale a boca, é um segredo, você não deve dizer nada’ teria parecido estranho”, observa.
“Eu só pensava em mim mesmo. O que me interessava era satisfazer meu desejo, meu impulso pedófilo”, enfatizou, referindo-se ao seu “sentimento de impunidade” e às suas numerosas vítimas na época.
Entenda o processo
Joël Le Scouarnec é alvo de 111 acusações de estupro e 189 de agressão sexual cometidos entre 1989 e 2014. Os casos são agravados pelo fato de que ele abusou de sua posição como médico e que 256 das 299 vítimas tinham menos de 15 anos quando foram agredidas.
O processo começou oficialmente em 2 de maio de 2017, quando a casa do cirurgião foi revistada pela polícia. Alguns dias antes, sua vizinha havia apresentado uma queixa. Ela acusou o cirurgião de atacar sexualmente sua filha de 6 anos através da cerca do jardim. Três anos depois, em 2020, ele foi condenado a 15 anos de prisão por estupro e abuso sexual dessa menina, bem como de uma paciente e duas de suas sobrinhas.
Esse primeiro caso abriu uma ‘caixa de Pandora’, pois durante as buscas na residência do médico a polícia descobriu não apenas pornografia infantil, como também dezenas de diários nos quais ele descrevia minuciosamente seus crimes e suas vítimas. As informações encontradas revelaram que as agressões já duravam mais de duas décadas e que centenas de pessoas, principalmente crianças, teriam sido abusadas.
No entanto, em 2004, o FBI havia identificado o nome do médico durante uma investigação sobre a compra de pornografia infantil em sites russos. A polícia francesa foi informada e, no ano seguinte, ele foi condenado a quatro meses de prisão com sursis (suspensão condicional da pena). Dois dos hospitais onde o médico trabalhou desde então haviam sido informados das condenações. Porém, Joël Le Scouarnec continuou a trabalhar atendendo crianças até sua aposentadoria, em 2017.
Publicado originalmente em RFI.
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