
Em apenas dois meses de mandato, o governo de Donald Trump, nos Estados Unidos, está desafiando agressivamente os limites judiciais, arriscando um confronto que pode levar a uma crise constitucional, segundo a revista estadunidense Foreign Policy. Em um exemplo desse conflito, o Executivo ignorou abertamente uma ordem judicial federal para suspender temporariamente a deportação de imigrantes para El Salvador. O próprio Trump chegou a pedir o impeachment do juiz responsável pela decisão.
Em um dos 139 processos judiciais movidos contra o governo norte-americano até agora, um juiz federal classificou a ordem executiva do presidente para revogar a cidadania por nascimento como “flagrantemente inconstitucional”. Esses ataques ao Judiciário não têm precedentes nos EUA, mas seguem um padrão preocupante observado em outras democracias, como Brasil, Índia, Israel, Hungria, México, Polônia e Turquia.
No Brasil, por exemplo, o Supremo Tribunal Federal (STF) resistiu aos ataques do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) com apoio do Congresso e de governadores.
De acordo com a Foreign Policy, três fatores explicam por que os tribunais estão sob ataque globalmente: o enfraquecimento do establishment político, o fortalecimento do poder judicial e a mudança na forma como ocorre o retrocesso democrático.
Nos Estados Unidos, esses elementos se combinam para tornar o ataque de Trump ao Judiciário particularmente rápido e severo.
O declínio do establishment político passa pelo enfraquecimento das elites partidárias, midiáticas e empresariais que limitavam os excessos do Executivo. Antes, os políticos dependiam desses fatores para alcançar o público. Hoje, líderes populistas como Trump usam plataformas digitais para se comunicar diretamente com seus seguidores, contornando os tradicionais guardiões da democracia.
Ao mesmo tempo, o Poder Judiciário ganhou força nas últimas décadas. Antes da Segunda Guerra, poucas constituições no mundo permitiam que juízes anulassem leis consideradas inconstitucionais. Hoje, mais de 80% das cartas magnas concedem esse poder aos tribunais em resposta aos regimes autoritários como na Itália, durante o fascismo, e na Alemanha, com o nazismo.
Com maior autoridade para decidir sobre questões como direitos reprodutivos e casamento gay, os juízes se tornaram os principais alvos dos novos líderes autoritários e de seus seguidores.
A natureza do retrocesso democrático também mudou. Durante a Guerra Fria, quase metade das quedas de democracias ocorreu por golpes militares. Desde os anos 2000, 80% dos colapsos democráticos aconteceram por meio de tomadas graduais de poder pelo Executivo, segundo o cientista político Milan Svolik.
Nesse contexto, os tribunais são atores-chave que podem conter, ou facilitar, as manobras legais que enfraquecem a democracia.

Nos EUA, o Judiciário enfrenta esse desafio em condições particularmente difíceis. O establishment político está enfraquecido, enquanto os tribunais mantêm amplos poderes. Trump já percebeu como as “injunções nacionais” podem frustrar sua agenda. Até agora, os tribunais já barraram pelo menos uma dúzia de medidas do governo.
Essas “injunções nacionais” são decisões de um único juiz federal que bloqueiam políticas em todo o país.
Experiências internacionais, como a do Brasil, mostram três caminhos para os tribunais resistirem a ataques do Executivo: apoio de outros políticos eleitos, mobilização social ou proteção de funcionários não eleitos, como procuradores e militares. O preocupante é que nenhuma dessas fontes de apoio está claramente disponível para o Judiciário estadunidense atualmente.
O Brasil, por exemplo, viveu recentemente um capítulo similar de confronto entre os Poderes, quando Bolsonaro repetidamente desafiou decisões do STF.
Entre 2019 e 2022, o ex-presidente atacou publicamente ministros do Supremo, questionou a legitimidade do tribunal e chegou a ameaçar não acatar suas decisões, um paralelo claro com a postura de Trump. O ápice ocorreu quando o então presidente sugeriu que só obedeceria ordens judiciais que “respeitassem a Constituição”.
A resistência do Judiciário brasileiro, no entanto, mostrou-se mais robusta graças ao apoio de outros atores institucionais. Enquanto Trump conta com um Partido Republicano alinhado, Bolsonaro enfrentou oposição até de setores do Centrão no Congresso, que barraram suas investidas contra o STF.
Além disso, governadores e prefeitos implementaram ativamente decisões judiciais contra políticas bolsonaristas, especialmente durante a pandemia.
Essa rede de proteção institucional, crucial para preservar a independência judicial no Brasil, é ausente nos Estados Unidos, segundo a Foreign Policy. A oposição republicana a Trump é tímida, os protestos são limitados e muitos funcionários independentes já deixaram o governo.
Como alertou Aharon Barak, ex-presidente da Suprema Corte de Israel: “Quando a constituição e a democracia estão ameaçadas, os juízes não podem se esconder e esperar que a tempestade passe. Eles devem se manter firmes e fazer tudo o que a lei permite para proteger a constituição”.
Conheça as redes sociais do DCM:
⚪️Facebook: https://www.facebook.com/diariodocentrodomundo
?Threads: https://www.threads.net/@dcm_on_line