‘Entrevista com Escritores Mortos’ 19: E.M. Forster

Atualizado em 3 de julho de 2015 às 18:42
“Encarando uma verdade desagradável e nada patriótica, a literatura inglesa não é a maior de todas.”

Autor de clássicos como “Passagem para a Índia” e “Um Quarto com Vista”, o romancista inglês britânico E.M. Forster (1879-1970)  foi não só um grande escritor como um excelente crítico literário. Os trechos a seguir foram retirados de seu livro “Aspectos do Romance”.

Mr. Forster, muitas pessoas consideram a literatura inglesa a mais perfeita de todas. O senhor concora com tal julgamento?

Preciso encarar uma verdade desagradável e nada patriótica: Não.

Por que?

Nenhum romancista inglês é tão grande quanto Tolstói; quer dizer, nenhum nos apresentou um retrato tão completo da vida do homem, seja em seu lado doméstico ou heroico. Nenhum romancista inglês explorou a alma do homem tão profundamente quando Dostoiévski. E nenhum romancista em parte alguma jamais analisou a consciência moderna com tanto êxito quanto Proust. A poesia inglesa não tem o que temer – destacando-se tanto pela qualidade quanto pela quantidade. Mas a ficção inglesa é menos triunfante: Não contém o que de melhor já se escreveu, e se o negarmos incorremos em provincianismo.

Por falar em provincianismo – quais são seus méritos e desméritos?

O provincianismo não é significativo no que concerne a um escritor, e pode até ser a sua principal fonte de força: só um pedante ou um tolo se queixaria do acento cockney de Defoe ou do sotaque interiorano de Thomas Hardy. Já em um crítico, o provincianismo é um sério defeito. Um crítico não tem direito à estreiteza que é a prerrogativa frequente do artista criador. Ele deve ter uma visão ampla, do contrário não terá nada mais. Embora o romance exerça o direito de um objetivo criado, a crítica não tem tais direitos.

Retomando: O senhor considera a literatura inglesa superestimada?

Eu a considero bastante superestimada. Muitas pequenas residências da ficção inglesa tem sido aclamadas (tais como Cranford ou Jane Eyre), em prejuízo delas mesmas, como importantes edifícios.

O romance Jane Eyre, de Charlotte Brontë, é tido como um dos melhores já escritos. Por que o considera uma “pequena residência da ficção inglesa”?

Pegarei Cranford e Jane Eyre como exeplos. Cada um desses livros está ligado a razões pessoais ou locais. Cranford irradia o espírito das cidades do centro do país, e Jane Eyre é o sonho apaixonado de uma mulher e tanto, mas ainda não desenvolvida. Mas repito; são pequenas residências e não grandes edifícios. Temos de avaliá-los e respeitá-los pelo que são, se os pusermos por um instante em meio às colunatas de Guerra e Paz ou sob as abóbadas de Os irmãos Karamazov.

Camila Nogueira
Aos 19 anos, Camila Nogueira estuda Letras na USP. Já aos 10 anos, constatou que seus maiores interesses na vida consistiam em sua família, em cerejas e em Machado de Assis. Em uma etapa posterior, adicionou à sua lista ópera italiana e artistas coreanos.