“Zelosa” da imagem de Senna, família vende o piloto ao bolsonarismo em sociedade com Luciano Hang

Atualizado em 12 de maio de 2025 às 16:06

A colaboração entre a marca Senna e a Havan, que resultou no lançamento de uma tal Senna Tower, um dos maiores edifícios residenciais do mundo, em Balneário Camboriú, suscita um bom debate sobre a associação sobre a associação da imagem do piloto e a do empresário bolsonarista Luciano Hang, dono da Havan.

A parceria, cujo resultado é projeto de alto luxo com um negociante extravagente (estou sendo educado), o “Véio da Havan”, amplamente reconhecido por suas relações com a extrema direita golpista, condenado em diversos processos (inclusive à prisão), famoso por aliciar seus empregados a votar em Bolsonaro de maneira grotesca, levanta questões sobre as motivações por trás dessa união e os interesses financeiros envolvidos.

A construtora é a FG. O prédio terá cerca de 550 metros de altura, e tem Valor Geral de Vendas (VGV) de R$ 8,5 bilhões. Desse total, R$ 1,3 bilhão, segundo a FG, já foi comercializado. O projeto “é inspirado na trajetória de superação de Ayrton Senna” e na “jornada do herói” (pobre Joseph Campbell). É uma picaretagem completa.

Para Hang, é um ótimo negócio: lava a biografia se vinculando ao herói nacional Ayrton Senna, um ícone com reconhecimento global. É curioso que Viviane Senna, irmã e dona dos direitos de exploração do morto, tenha topado a parada. Trata-se da mesma Viviane que mandou vetar a participação de Adriane Galisteu na sériie da Netflix. O possível rigor ético acabou por aí, aparentemente.

Hang busca agregar valor ao seu nome e ao seu império. Ele, que já tem forte presença política e comercial, utiliza a imagem do falecido para se posicionar ainda mais como um grande empresário ligado aos maiores empreendimentos imobiliários do país.

Senna passa a figurar ao lado de outras figuras caídas em descrédito como Neymar, que tem uma cobertura avaliada em R$ 60 milhões numa praia feia, marcada por crimes ambientais, que virou sinônimo do que o Brasil tem de mais cafona e suspeito. A mesma turma que transformou Papai Noel em “patriota” agora ganha Ayrton Senna.

É inútil especular sobre as orientações políticas de mortos. Volta e meia fazem isso com Renato Russo e Cazuza. Veja Lobão, o que virou.

Em 1989, durante o mandato da prefeita Luiza Erundina, do PT, em São Paulo, foi promovida a reforma do autódromo de Interlagos, que passou a sediar novamente a Fórmula 1 a partir de 1990. Senna deu sua opinião sobre o novo traçado e esteve na Prefeitura, onde posou para fotos abraçado a Erundina.

No entanto, em 1992, deu apoio à candidatura de Paulo Maluf à Prefeitura. O piloto foi almoçar na casa de Maluf, no Jardim América, e, segundo Maluf, o menu foi simples: “arroz, feijão, verdura e salsicha”.

Agora, Ayrton Senna está definitivamente casado com a podridão do bolsonarismo e do golpismo por causa do que seus herdeiros vão faturar em cima de seu nome.

No ano passado, em entrevista à revista Paris Match, Viviane Senna deu um cotovelada no olho de Galiesteu. “Se ela precisa de dinheiro, deveria trabalhar, como todo mundo, e parar de explorar a imagem de um morto”, disse.

Pois é.

Kiko Nogueira
Diretor do Diário do Centro do Mundo. Jornalista e músico. Foi fundador e diretor de redação da Revista Alfa; editor da Veja São Paulo; diretor de redação da Viagem e Turismo e do Guia Quatro Rodas.