Sakamoto: Bombas mostram força da especulação imobiliária no Moinho e na Cracolândia

Atualizado em 15 de maio de 2025 às 23:28
Vista aérea da favela do Moinho, em São Paulo, localizada ao lado dos trilhos do trem da CPTM. Foto: Joel Silva/Folhapress

Por Leonardo Sakamoto

Da mesma forma que não se morre de frio nas ruas de São Paulo, não se morre de reintegração de posse. Morre-se de especulação imobiliária, que, em São Paulo, dita leis, elege políticos, pressiona contra políticas eficazes de saúde pública e instrumentaliza a violência policial. Tudo para valorizar regiões com a expulsão de “indesejáveis” para as franjas da cidade.

A forma com a qual a Polícia Militar vem tratando moradores que protestam contra a desocupação da favela do Moinho, na região central da capital, é também explicada pelas necessidades do mercado imobiliário. Há muito que empresas tentam remover a comunidade de lá. Sabe como é, né? Aquele bando de gente pobre só joga o preço do metro quadrado para embaixo e afasta os “homens de bem” da cidade que eles compraram. Temos um constante Pinheirinho em São Paulo, mas como segue a conta-gotas, não vira manchete. Banalizou-se, como a corrupção ou a superexploração do trabalho.

Ao longo do tempo, expulsamos os mais pobres para regiões cada vez mais periféricas. Eles, que têm menos recursos financeiros, gastam mais tempo e mais de sua renda com transporte do que os mais ricos que ficaram nas áreas centrais — com exceção das Alphabolhas da vida. Cortiços e favelas em regiões de fácil acesso abrigam centenas de famílias, sem o mínimo de saneamento básico, às vezes sem água e sem luz. A maioria dos moradores desses locais prefere continuar por lá, pois transporte é o que não falta e a casa fica próxima ao trabalho — ao contrário do que acontece em bairros da periferia, onde o trajeto até o centro chega a levar horas, dentro de ônibus superlotados e caros.

Óbvio que qualquer guaxinim com problemas de cognição sabe que o crime organizado que opera na região precisa ser extirpado. Mas isso vem sendo usado como justificativa para outros interesses.

E aqui chegamos à questão da Cracolândia da região da Luz que, nos últimos dias, ostentou uma queda no número de usuários. Para onde foram? Foram por conta própria? Levados ou empurrados? Por quem?

Região da Cracolândia, em São Paulo. Foto: Andre Penner/AP

Claro que as Cracolândias não serão resolvidas com as pessoas dando os braços umas às outras em ciranda, xingando autoridades através do Insta ou soltando balões grafados com a palavra “esperança”. Muito menos entregando os usuários a comunidades terapêuticas picaretas que, literalmente, escravizam os seus membros.

Mas governos vêm adotando uma estratégia que pode dar frutos eleitorais de curto prazo, mas pode representar um grande estelionato. Atacam o fluxo de pessoas e, a partir do espalhamento dos usuários para longe da influência dos traficantes, tentam uma abordagem psicossocial individualizada.

O problema é que essa escolha transformou uma questão de saúde pública, que deveria ser resolvida com a criação de portas de saída, em batalhas campais, com bombas, balas e correria, em que usuários saem feridos. Ou em denúncias de remoção forçada.

Vivendo a guerra, os usuários não vão buscar apoio porque temem aqueles que dizem que vão ajuda-los. Daí, prende-se um traficante e, logo na sequência, outro assume seu lugar. Ao mesmo tempo, a população do local e os pequenos comerciantes ficam acuados. E acuados, eles têm cobrado medidas duras do poder público contra os usuários. Medidas duras que, no longo prazo, vão gentrificar a região e expulsar a população do local e os pequenos comerciantes.

A Cracolândia some do mapa, a favela do Moinho some do mapa, os usuários viram problema de outro bairro, e os imóveis da Luz se tornam ótimos negócios para fundos de investimento. É a máquina de moer pobre que não para – só se disfarça de política pública.

E assim a cidade segue, produzindo vítimas e lucros em igual medida

Publicado originalmente no UOL

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