
Imagens da câmera corporal de um policial militar desmentem a versão de agentes sobre o assassinato de Emerson Rogério Telascrea (33), 29º morto pela corporação na Baixada Santista durante a Operação Verão. O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) decidiu arquivar o caso em fevereiro, meses antes de a contradição ser apresentada.
Segundo o boletim de ocorrência, que traz a manifestação dos policiais, Emerson apontava uma pistola em direção a eles e, por isso, ele foi alvejado três vezes. Uma câmera, no entanto, mostrou que a vítima disse a seguinte frase antes de morrer: “Desculpa, senhor”.
O momento foi captado na manhã de 14 de fevereiro de 2024, em Santos. A gravação é interrompida logo depois pelo barulho de disparos de fuzil e a imagem estava bloqueada pelo agente. Há um total de 36 arquivos no inquérito e nenhum deles mostra Emerson com uma pistola calibre .765 na mão.
Os vídeos começaram a ser gravados por volta das 8h daquele dia e mostram quatro policiais militares no primeiro andar de uma construção. Há diversas falas de agentes em meio aos vídeos, como relatos de que existiam três suspeitos olhando para eles e a frase “acho que está armado”.
Em um dos registros, o sargento Bruno de Arruda e o soldado Danilo Anastácio aparecem saindo do imóvel com as lentes das câmeras bloqueadas. Em cerca de 30 segundos, Emerson foi baleado duas vezes, segundo a versão deles, por apontar a arma para uma equipe que chegava ao local.
Bruno alega que deu dois tiros assim que percebeu que o suspeito estava apontando a pistola. “Em seguida, observou que o indivíduo ainda apresentava movimentos e, receando uma nova tentativa de reação, realizou outro disparo. Somente então cessaram os movimentos do suspeito”, diz a transcrição de seu depoimento.

A ação relatada pelo sargento não está nos arquivos, já que a câmera só foi desobstruída após o terceiro tiro. Em nenhum momento há ordem para que o suspeito largue o revólver, como prevê o manual de treinamento da PM.
Há um lapso de mais de um minuto sem som no meio da gravação, quando o soldado se agacha para pegar o armamento de Emerson, sem mostrar o corpo da vítima. Só depois que a pistola foi apreendida Danilo diz: “Já desarmei”.
Um laudo do IML (Instituto Médico Legal) mostrou que a mão direita de Emerson estava próxima à cintura quando um tiro de fuzil abriu um buraco de sete centímetros, dilacerando sua pele e deixando uma fratura exposta no antebraço.
O primeiro disparo teria causado o ferimento, de acordo com os policiais, mas a vítima era destra e, portanto não poderia empunhar uma arma novamente com o braço dilacerado.
O MP pediu o arquivamento em fevereiro deste ano, alegando que não havia provas contra a versão dos policiais e que “o uso de fuzis de alta potência foi a resposta necessária diante da gravidade da agressão”. Após o novo áudio, o órgão afirmou que o inquérito “não se restringiu ao exame das imagens das câmeras corporais”.
O inquérito incluiu “oitiva de testemunhas”, “tomada de depoimentos com a versão de agentes” e “confrontação desses dados com laudos periciais”, segundo o MP. “A fundamentação da decisão dos promotores de Justiça está detalhada nos autos”, prossegue o órgão, alegando que a decisão de arquivar a investigação “foi ratificada pelo Poder Judiciário”.