O Censo e a moda do embranquecimento das religiões de matriz africana

Atualizado em 8 de junho de 2025 às 13:17
Mãe de santo com clientes

As religiões de matriz africana estão atoladas de gente branca. Segundo o último censo (2022), brancos são 42,7% dos praticantes de religiões de matriz africana, como candomblé e umbanda, por exemplo. A esquerda haribo não cansa de surpreender.

Mas quando mesmo a “macumba”, sempre demonizada pelos brancos, virou moda entre eles?

Quando o movimento antirracista passou a chancelar esse tipo de apropriação em troca da famigerada representatividade. Colocar a negritude “no hype” custou caro, custou a apropriação cultural das religiões, e também das favelas e periferias. A mesma lógica se aplica às duas situações: uma lógica colonizadora.

Em outras palavras, ninguém está proibido de professar sua fé como bem entender, desde que haja respeito, aprendizado e reconhecimento do protagonismo negro.

Na minha triste Bahia, por exemplo – reduto de povos afro-brasileiros – já quiseram chamar acarajé, uma iguaria africana, de “bolinho de jesus” (não colou, graças à minha mãe Oxum). Não suporto mais ouvir a palavra “branquitude”.

O problema não é aderir ao candomblé, o problema é o apagamento cultural daqueles que desejam “embranquecer” essas religiões (prova disso é a tal “umbanda branca”, que pressupõe que a “umbanda preta” é coisa do diabo).

Então, de branca para brancos: o que vocês fizeram hoje para apoiarem as lutas antirracistas e dos povos indígenas, que vêm sofrendo verdadeiro genocídio sob os olhos do Estado que nunca sequer os reconheceu como gente?

E não nos enganemos: não é porque os brancos invadiram os terreiros que eles deixarão de ser atacados pelos próprios brancos.

Exu seguirá, diante de um racismo estrutural e intolerância religiosa, sendo visto como um demônio, só que agora rendendo dinheiro a quem não deveria.

Isso é exploração e escárnio com aqueles que defendem sua cultura com o proprio sangue em uma sociedade ainda inegavelmente escravocrata.

Enquanto se vestem de branco e gritam “Epa Babá!” sem saberem o que significa, eles aderem a religiões de matriz africana sem nenhuma responsabilidade ou comprometimento – apenas surfando no hype.

(Em oito anos de ayahuasca, eu presenciei isso mais vezes do que gostaria).

Assim diria Exu: vocês querem minha força, mas não querem minha história. Querem acender vela pra mim, mas não respeitam o povo que me carrega no sangue.

Exu ensina que caminho aberto só se anda com verdade.

Nathalí Macedo
Nathalí Macedo, escritora baiana com 15 anos de experiência e 3 livros publicados: As mulheres que possuo (2014), Ser adulta e outras banalidades (2017) e A tragédia política como entretenimento (2023). Doutora em crítica cultural. Escreve, pinta e borda.