
POR ALDO FORNAZIERI, professor da Escola de Sociologia e Política e autor de “Liderança e Poder”
“Se você conhece seu inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. (…) Se você não conhece nem o seu inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas.”
Sun Tzu
O que mais espanta na atual guerra entre Israel e Irã não é o fato de ela estar acontecendo. Era sabido que ocorreria, pois as tramas dos interesses e das circunstâncias históricas e conjunturais envolvidas criaram a atmosfera daquelas guerras inevitáveis. O que mais espanta são duas outras coisas: a ingenuidade do comando iraniano e a audácia criminosa do governo de Israel.
É inexplicável que o comando militar do Irã tenha sido pego de pijama e decepado pelos ataques israelenses. Alguns acontecimentos e evidências indicavam que os comandantes militares iranianos deveriam tomar todas as precauções para não serem assassinados de surpresa: 1) Israel tem um histórico de assassinar líderes de seus inimigos; 2) na guerra contra o Hamas, Israel agiu sistematicamente para liquidar sua liderança; 3) o líder do Hamas, Ismail Haniyeh, foi assassinado em Teerã, em julho de 2024, quando participava da posse do presidente do país; 4) em setembro de 2024, a liderança política e militar do Hezbollah foi destruída com a explosão dos aparelhos de comunicação pager. Anteriormente, em 2020, o general iraniano Qasem Soleimani, um dos chefes da Guarda Revolucionária, foi assassinado por um ataque de drone ordenado pelo governo Trump.
As evidências recentes de que era necessário que os líderes iranianos decretassem estado de prontidão são as seguintes: 1) o governo Trump pretendia iniciar nova rodada de negociações com vistas a um possível acordo sobre o enriquecimento de urânio com o Irã. Esse acordo não interessa a Israel, que presumivelmente agiria para impedi-lo; 2) nos dias que antecederam os ataques ao Irã, Netanyahu enfrentou e superou uma moção de censura no Parlamento.
Era presumível que haveria um preço a ser pago aos extremistas religiosos, e esse preço foi o ataque ao Irã; 3) no dia anterior ao ataque, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) emitiu um duro relatório dizendo que o Irã violou obrigações de não proliferação relativas ao enriquecimento de urânio. Esse relatório era evidência suficiente para colocar todas as forças iranianas em prontidão estratégica, pois criava uma oportunidade para um ataque de Israel.
O que determinou o ataque de Israel ao Irã, neste momento, é um conjunto complexo de oportunidades e motivações. A principal oportunidade consiste em enfraquecer ao máximo a influência do Irã na região: o Hamas foi drasticamente reduzido, o Hezbollah teve sua liderança decepada e sofreu destruição de sua força militar; as forças pró-Irã na Síria desapareceram e os Houthis no Iêmen foram bombardeados. Com os ataques, Israel atingiu parte do sistema de mísseis balísticos e da força aérea iraniana.
As motivações são imediatas e mediatas. A principal motivação imediata foi fortalecer o governo de extrema-direita de Netanyahu, tanto interna quanto internacionalmente. Internamente, o governo estava ameaçado de perder sustentação no Parlamento, o que poderia causar sua queda. A oposição à guerra em Gaza cresce tanto internamente quanto no exterior. A imagem de Netanyahu no mundo é péssima. Com a guerra contra o Irã, o governo tenta reconstituir apoios.
As principais motivações mediatas são de duas ordens. A primeira é que Israel se viabiliza como Estado de guerra. O Partido Trabalhista e a esquerda contam pouco no jogo político. O país é dominado pela direita e pela extrema-direita. A direita aceita e estimula um expansionismo moderado, principalmente nas áreas palestinas. A extrema-direita alimenta a estratégia do “Grande Israel”.
A ideia do “Grande Israel”, sustentada pelo extremismo ortodoxo religioso, consiste em restaurar os supostos limites bíblicos e históricos da Terra de Israel. Em uma das proposições, esses limites abrangeriam, além do território atual, os territórios palestinos de Gaza, Cisjordânia e Colinas de Golã. Essa Terra teria sido definida na aliança entre Deus e Abraão e consta no livro do Gênesis. Estender-se-ia do Suez até o Eufrates.
Trata-se de uma reivindicação fundada nos mitos do Antigo Testamento, que fazem parte da história inventada de Israel Antigo. Quem estuda a história de Israel Antigo, com base em evidências documentais e arqueológicas, sabe que grande parte do Antigo Testamento é uma narrativa ficcional, e que a história factual de Israel é muito prosaica e pobre em acontecimentos significativos. Partes do Antigo Testamento foram plagiadas de outros povos.
Para alimentar essa ambição e impedir a criação do Estado Palestino, Israel precisa sustentar esse Estado de guerra permanente e manter inimigos regionais. No passado, financiou o Hamas para enfraquecer a OLP. Agora financia um grupo ligado à Al Qaeda em Gaza para rivalizar com o Hamas.
O Estado de guerra funciona a partir de duas premissas: a) manter um estado de conflito permanente como estratégia para sustentar a mobilização interna e a guerra externa; b) praticar o terrorismo de Estado para assassinar as lideranças dos inimigos e massacrar comunidades e povos vizinhos com objetivo de dominação.
Trata-se de um Estado que adota métodos neonazistas. Para matar um indivíduo, destrói prédios inteiros, matando centenas de crianças e mulheres. A destruição completa de Gaza se insere nessa lógica: mata-se milhares de inocentes para matar poucos combatentes do Hamas.

Promove-se a morte pela fome, pelos deslocamentos e pelas bombas. Há um desprezo absoluto pela vida humana, como nos horrores do Holocausto. Não há limites nos meios utilizados para alcançar os objetivos finais. Os israelitas têm terras doadas por Deus, tal como os arianos eram definidos como raça superior pela Natureza ou por Deus. A lógica assassina é a mesma.
A ideia do “Grande Israel” é sionista e articula o massacre e o deslocamento dos palestinos. Os líderes direitistas acusam os críticos de antissemitismo como máscara para sustentar seus desígnios sionistas criminosos. Defendem o direito de Israel de se defender como justificativa para atacar e massacrar palestinos.
O Estado de Israel não quer a paz. Quer a guerra permanente. O assassinato de líderes de outros povos, de cientistas, e o massacre de inocentes, mulheres e crianças suscita o ódio e o justo sentimento de vingança. O Estado de Israel tornou-se uma máquina de fabricar ódio.
Em 2014, o escritor israelense Amos Oz acusou os extremistas judeus de neonazistas pelos ataques contra os palestinos. Desde então, o massacre cresceu exponencialmente. Em 2024, o historiador israelense Daniel Blatman afirmou: “O governo de Israel tem ministros neonazistas. Realmente lembra a Alemanha de 1933”.
A guerra contra os iranianos tende a durar poucos dias. Israel está destruindo as capacidades estratégicas do Irã. O país não tem força militar para sustentar um confronto prolongado. Para sobreviver, não poderá adotar medidas mais ousadas, como fechar o Estreito de Ormuz. Com chefes militares e cientistas assassinados, infraestrutura destruída e sem força aérea, não resta ao Irã outra saída senão uma estratégia de sobrevivência.
Com o Holocausto, boa parte dos judeus aprendeu a ser malvada.