Empresário de gados dá golpe milionário com “vacas virtuais” no Uruguai; entenda

Atualizado em 28 de junho de 2025 às 21:14
Criação de gado no Uruguai. Foto: AFP

O Uruguai, conhecido por sua tradição pecuária e por ter uma das maiores proporções de cabeças de gado por habitante no mundo, vive um dos maiores escândalos financeiros de sua história. A empresa Conexión Ganadera, que operava no mercado há 24 anos prometendo rentáveis investimentos no setor pecuário, está no centro de um esquema fraudulento que deixou cerca de 4.300 vítimas e um rombo estimado em US$ 400 milhões.

O caso veio à tona no início de 2025, quando a empresa anunciou que não teria como honrar seus compromissos com os investidores, revelando possuir apenas US$ 150 milhões em ativos para cobrir os valores devidos.

“Sem ter começado como um esquema Ponzi, terminou como um esquema Ponzi”, disse o trabalhador, mantido em anonimato, em entrevista à BBC. A afirmação refere-se à prática de usar dinheiro de novos investidores para pagar retornos aos antigos, característica marcante desse tipo de fraude.

A Conexión Ganadera conquistou a confiança do mercado ao longo de mais de duas décadas, oferecendo rendimentos atraentes entre 7% e 11% ao ano em dólares.

O modelo de negócios parecia simples e seguro: os investidores aportavam recursos, a empresa comprava gado em nome deles, os animais eram colocados em propriedades rurais para engorda e, posteriormente, vendidos com lucro. Pablo Carrasco, um dos sócios, costumava afirmar que “a vaca sempre teve a nobreza de produzir o suficiente para que o investidor não perdesse”.

Porém, a realidade mostrou-se bem diferente. Investigações revelaram que grande parte do gado simplesmente não existia. O Uruguai, que se orgulha de ter um dos sistemas de rastreamento animal mais avançados do mundo, com tags eletrônicas, marcação a fogo e registros governamentais, viu esse mesmo sistema ser burlado de forma sofisticada.

Dispositivos de identificação que deveriam estar nos animais foram encontrados armazenados em caixas, e o banco de dados do Ministério da Pecuária continha registros de bois que nunca saíram do papel.

Tags nas orelhas dos gados, que deve ser utilizado seguindo a lei uruguaia. Foto: AFP

Começo do fim

O esquema começou a desmoronar quando outras empresas do setor anunciaram a interrupção de pagamentos, afetando milhares de pequenos investidores.

Em janeiro de 2025, a crise se aprofundou com a morte de Gustavo Basso, outro sócio da Conexión Ganadera, em um acidente de carro a 211 km/h. As investigações concluíram que se tratou de suicídio. Carrasco, que ficou como único representante da empresa, tentou se distanciar das responsabilidades financeiras, atribuindo-as ao sócio falecido.

As investigações seguem em andamento, mas já apontam para um complexo esquema de desvios. Parte considerável do dinheiro dos investidores teria sido direcionada para negócios pessoais dos sócios, incluindo um frigorífico, compra de terras, imóveis, carros de luxo e até contas bancárias no exterior, como em Andorra.

O advogado Ignacio Durán, que representa um grupo de vítimas, afirma que “há dinheiro aparentemente no exterior que também pertenceria aos investidores”.

O caso expôs graves falhas na regulação do setor. O Banco Central do Uruguai já havia emitido alertas sobre a empresa anos antes, mas a Conexión Ganadera conseguiu burlar a fiscalização modificando seus contratos para que parecessem acordos produtivos, e não financeiros. Entre as vítimas estão políticos, profissionais liberais e até religiosos que confiaram suas economias no que parecia ser um investimento seguro.

Martín Fablet, um conhecido radialista uruguaio que perdeu US$ 270 mil no esquema, relata o desespero de outros investidores: “Se vocês não conseguirem meu dinheiro, vou ter que me suicidar”. Sua fala reflete o drama de milhares de famílias que agora enfrentam dificuldades financeiras após acreditarem nas promessas da Conexión Ganadera.