Sakamoto: O que a vitória de um socialista em Nova York ensina à esquerda brasileira?

Atualizado em 2 de julho de 2025 às 11:59
Zohran Mamdani durante primárias do Partido Democrata em Nova York – Foto: David ‘Dee’ Delgado/Reuters

Por Leonardo Sakamoto, no UOL

A recente vitória de Zohran Mamdani, o candidato socialista pelo Partido Democrata em Nova York, nas primárias à Prefeitura da maioria cidades dos Estados Unidos, e a reação do próprio partido nos últimos dias, abriram um novo capítulo, não apenas no debate sobre o que significa ser de esquerda por lá, mas também sobre até onde vai o compromisso real do establishment democrata com a democracia.

Diante da vitória de um candidato abertamente anticapitalista, que propôs uma agenda radical e concreta voltada para as necessidades da classe trabalhadora, o pânico tomou conta do partido. Em vez de reconhecer a legitimidade da vitória e a potência das pautas que ela representa, setores dominantes do Partido Democrata começaram a articular manobras para esvaziar Mamdani e impedir que sua candidatura se consolide como símbolo de uma virada possível.

O que se vê é uma operação para isolá-lo, difamá-lo e, se possível, neutralizá-lo, tudo para impedir que sua vitória inspire outros movimentos semelhantes.

O que não surpreende, mas ainda assim abala, é que se percebe, com essa reação dos democratas do establishment, que o principal compromisso da ala dominante do partido é com os interesses de classe das mesmas elites políticas e econômicas de sempre. Diante de um candidato que enfrentou bilionários, questionou o lobby do governo Benjamin Netanyahu e defendeu a causa palestina em plena Nova York, não se acanhou em defender os direitos das mulheres e pessoas trans, e, ainda assim, venceu, a resposta não foi de celebração democrática, mas de contra-ataque.

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu – Foto: Reprodução

E não apenas da direita, mas também do próprio partido que o abrigou. Republicanos e democratas tradicionais estão, juntos, em modo de emergência. Porque Mamdani não apenas venceu: ele mostrou que é possível vencer com uma proposta diferente.

É um padrão que nós, no Brasil, conhecemos bem. Nem mesmo quando a esquerda comprova sua capacidade de vencer eleições com pautas voltadas à classe trabalhadora e às maiorias marginalizadas, a cúpula partidária se rende a essas lutas. O discurso de que “é preciso dialogar com o centro” persiste como mantra intocável, mesmo quando a história recente prova que ele serve, na prática, para esterilizar a potência transformadora da política. Preferem perder eleições a se comprometer com um realinhamento das pautas históricas da esquerda.

A moderação vira fetiche, não estratégia. O que está em jogo é a manutenção de um sistema que serve aos de sempre.

Tradicionalmente, “realismo” virou palavra-código para recuo. Para abrir mão de bandeiras importantes em nome de uma ilusória viabilidade eleitoral. O problema é que essa lógica ignora justamente quem mais precisa da política: a maioria da população.

E é aí que a vitória de Mamdani vira um divisor de águas. Ele não suavizou seu discurso, não trocou convicções por marqueteiros. Pelo contrário: propôs tarifa zero no transporte público, controle de preços de aluguéis, e até políticas municipais de alimentos a preços justos. Ou seja, uma agenda radical, mas totalmente compreendida pelos trabalhadores.

E mais: sustentou suas posições mesmo quando sabia que poderia pagar caro por elas. Foi atacado como “muçulmano radical” e acusado de antissemitismo, enfrentando um nome estabelecido do partido, ligado à velha guarda, com apoio de bilionários e da máquina partidária. Isso não foi um acidente: foi uma demonstração de força popular.

O Brasil tem muito a aprender com essa experiência. Há pautas objetivas, como a tarifa zero e a jornada 6×1 para trabalhadores, a ampliação do direito ao aborto e as políticas de cuidado para as mulheres, que têm apelo transversal e poderiam estruturar um programa político forte, ligado à vida concreta da maioria. Mas seguimos assistindo candidaturas de esquerda abrindo mão de seus princípios para parecerem “governáveis”. Quando a esquerda abandona bandeiras que a direita considera radicais, perde sua razão de existir — e, com ela, perde o apoio da base popular.

Ser realista, portanto, não é desistir de transformar: é assumir com coragem os compromissos que podem, de fato, mudar a vida da maioria.

A vitória de Mamdani mostra que há espaço para uma esquerda que não tem medo de ser o que é. Cabe a nós, aqui e agora, decidir se vamos seguir tentando caber na camisa de força do centro ou se teremos a ousadia de construir um novo horizonte político.