Os favelados espalhados pela cidade são uma merecida, estrepitosa, dolorida bofetada moral em cada paulistano.

Fazia tempo que não vinha a São Paulo, e um passeio pela cidade deixa claro o quanto a cidade vem sendo mal administrada ao longo dos tempos por um conjunto de prefeitos de diversas siglas.
Não vou falar no caos do trânsito, ou em outros transtornos típicos das grandes metrópoles. Mesmo Londres, com seu magnífico ônibus duplo e igualmente esplêndido metrô, é objeto de congestionamentos enlouquecedores.
Me detenho numa questão particular, que deveria ter o efeito de uma bofetada moral na cara de nós, paulistanos: as favelas que fazem parte da paisagem e são um símbolo dolorido da iniquidade de São Paulo. (Atenção: estamos falando em acabar com as favelas, e não com os favelados. Lacerda, quando governou o Rio há meio século, foi suspeito de querer erradicar a mendigagem carioca matando os mendigos.)
A pergunta: dá para aceitar isso? Até quando? É um caso insolúvel? Por quê?
Não vi a mídia paulistana erguer uma bandeira séria contra isso, ao longo dos anos. E não sei se haveria outra mais importante.
Se eu tivesse que fazer uma única pergunta aos candidatos à prefeitura seria esta: como o senhor planeja, concretamente, desfavelizar São Paulo? Anotaria as respostas e fiscalizaria a execução das soluções ao longo do mandato.
Sucessivos prefeitos e governadores ignoraram o problema. Quando apareceu um projeto, era mais uma pataquada do que uma resposta ao drama: os conjuntos de Maluf conhecidos como Singapura. Foi o triunfo da embalagem sobre o conteúdo. Basta ver o que deu deles.
Em 1973, segundo um livro citado num link trazido ao Diário pelo leitor Paulo Simões, a população favelada paulistana era cerca de 1% do total. Hoje é mais de 10%.
De prefeitos e governadores arquiconservadores como Maluf não se deveria esperar muito mesmo. Mas e dos demais? Não sei se prefeitos do PT fizeram alguma coisa relevante nesse campo. Imagino que não. Basta olhar a cidade. Mas admito a hipótese de que não tenham tido tempo suficiente para fazer algo de expressivo nesse campo. Hipótese, repito.
O benefício da dúvida não se aplica ao PSDB, tão dominante no Estado de São Paulo. A fama de grandes gestores da cúpula do PSDB é fortemente desafiada pelas favelas de São Paulo. Desde 1995 os paulistas são governados pelo PSDB. O que foi feito para mitigar a chaga urbana da principal cidade do Estado?
São Paulo era melhor, naturalmente, quando não tinha favelas. A favelização da cidade veio nos últimos cinquenta anos, depois que a ditadura militar estabeleceu as bases de um modelo econômico que sob a pretensa fachada modernizante atrasou barbaramente a caminhada do país rumo a uma sociedade harmoniosa, menos desigual.
O Estado brasileiro – na instância municipal, estadual e federal – se tornou, nos mais de vinte anos de regime militar, uma babá das empresas brasileiras, o que retardou enormemente o avanço do capitalismo no país. Deu-lhes reserva de mercado (o que promoveu a ineficiência delas), dinheiro fácil do contribuinte pelo BNDE em casos de quebra e esqueceu dívidas multimilionárias quando atreladas ao Banco do Brasil.
Para o resto, a babá foi bem menos generosa. Em São Paulo, o reflexo disso se manifestou, de forma conspícua, nas favelas.
É tempo de São Paulo se desfavelizar – todo morador da cidade deve ter um teto digno, decente. Ou então continuaremos a levar merecidas, estrepitosas bofetadas morais cada vez que fizermos um passeio pela cidade