Arquiteto Humberto Hickel volta a derrotar o véio da Havan. Por Moisés Mendes

Atualizado em 4 de julho de 2025 às 17:41
O empresário bolsonarista Luciano Hang, conhecido como “véio da Havan”. Foto: Reprodução

O arquiteto Humberto Hickel conseguiu um feito histórico na Justiça gaúcha: derrotou, pela segunda vez e pelo mesmo caso, o poderoso milionário bolsonarista Luciano Hang.

O autoproclamado véio da Havan foi condenado essa semana, na área cível, a pagar R$ 30 mil por danos morais por agressões em vídeo ao arquiteto, morador de Canela, em 2020.

Em julho do ano passado, o empresário já havia sido condenado a um ano e quatro meses de prisão, na área criminal, em decisão de segunda instância do Tribunal de Justiça do Estado. Também foi obrigado a pagar uma indenização de 35 salários mínimos a Hickel.

A sentença da decisão na área cível, divulgada hoje pelo advogado de Hickel, Marcelo Mosmann, foi tomada pela juíza Simone Ribeiro Chalela, da 2ª Vara Judicial de Canela, cidade turística da Serra.

Em 2020, Hickel liderou um movimento de moradores de Canela e da Região das Hortênsias para que o empresário não instalasse, numa filial da Havan na cidade – no trecho entre Canela e Gramado –, uma réplica da Estátua da Liberdade.

Hickel é ex-dirigente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), urbanista e figura conhecida na região por seu envolvimento comunitário. A defesa da paisagem de Canela, em nome do respeito às leis e da preservação do patrimônio histórico e arquitetônico, resultou nos ataques de Hang em vídeo disseminado pelas redes sociais.

Hang dizia: “Esse cara é daqueles esquerdopatas que tomam vinagre em vez de café da manhã para ficar enchendo o saco dos outros. (…) Humberto Hickel, vai pra Cuba que o pariu”.

Hang afirma no vídeo que Hickel não representa a comunidade e que deveria ir embora por conspirar contra o desenvolvimento da cidade. O milionário argumentava que levava empregos e progresso à Serra, como repete em casos semelhantes.

Seu pretexto foi acolhido por muitos anos pela Justiça de Santa Catarina, que vem adotando uma nova postura diante do assédio retórico e judicial do empresário a quem considera inimigo dos seus negócios e das suas ideais.

O arquiteto Humberto Hickel. Foto: Reprodução

Canela está no centro de uma região de forte ativismo bolsonarista. Hickel provou que foi abalado profissional e moralmente pelos ataques, porque parte dos moradores se voltou contra ele. E que deixou até de sair na rua. Decidiu então entrar com as duas ações, que permitem recurso.

Um detalhe importante. O recurso da ação cível só tem chance de obter algum sucesso em Brasília, no STJ ou no STF, já que o primeiro caso, na área criminal, já foi julgado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

Como a ação na área cível contra Hang usa os mesmos argumentos, por coerência o TJ do Estado deveria manter, nas duas ações, o mesmo entendimento pró-Hickel.

Outro detalhe inusitado. A juíza Simone Ribeiro Chalela é a mesma magistrada que, no julgamento da primeira ação, na primeira instância da área criminal, considerou que Hang exercia apenas o direito à liberdade de expressão.

Sua tese foi derrubada pelo Tribunal no ano passado, com a prevalência do entendimento de que Hickel sofreu agressão que caracterizava crime de injúria qualificada e difamação.

Dessa vez, a juíza escreveu na sentença: “Restou mais que comprovado a reprovável conduta do réu, que submeteu o autor a situação vexatória na internet. O réu, desta forma, agiu de forma infantil e irresponsável”.

E acrescenta que Hang se referia a Hickel como pessoa de “pensamentos retrógrados e ideologia vermelha”, além de apontar “o local em que fica a sua residência”.

O empresário, ressalta a magistrada, mostrou a foto do arquiteto no vídeo, para expô-lo publicamente, “o que denota que a comunidade em geral restou incitada ao discurso de ódio contra o autor (Hickel)”. O empresário é acusado de ter incitado “seus seguidores a promoverem mais comentários insultando o requerente”.

A juíza conclui ainda que Hang manteve os ataques, depois do imbróglio: “O próprio réu foi categórico ao afirmar que não se arrepende do que fez e que postou o vídeo como resposta à conduta do autor”, que criticava a instalação da estátua.

Apesar das reações de 2020, a loja foi inaugurada como Hang desejava que fosse. Os defensores da paisagem da Região das Hortênsias perderam para uma réplica grotesca da estátua da liberdade, que está lá até hoje.

Moisés Mendes
Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim) - https://www.blogdomoisesmendes.com.br/