Microsoft, Amazon e Google estão entre empresas ligadas ao massacre de Gaza, diz ONU

Atualizado em 5 de julho de 2025 às 8:35
Palestinos retornam ao campo de refugiados devastado de Jabalia, no norte de Gaza. Foto: OMAR AL-QATTAAAFP

Publicado originalmente no Brasil de Fato

Um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) para os territórios palestinos ocupados desde 1967 denuncia o envolvimento direto de 48 empresas no financiamento e sustentação da máquina de guerra israelense responsável pelo massacre de Gaza. O documento, publicado no dia 30 de junho, classifica o atual estágio de agressão como uma “economia do genocídio” e destaca o papel dessas corporações na manutenção da ocupação, do apartheid e da limpeza étnica do povo palestino.

Intitulado Da economia de ocupação à economia de genocídio (From economy of occupation to economy of genocide, no original), o documento é assinado pela relatora especial Francesca Albanese e aponta que empresas de setores variados, incluindo fabricantes de armas, empresas de tecnologia e construtoras, lucram com a destruição sistemática da Palestina. “O genocídio, ao que parece, é lucrativo”, escreveu Albanese em publicação na rede X.

“Essas entidades permitem a negação da autodeterminação e outras violações estruturais no território palestino ocupado, incluindo ocupação, anexação e crimes de apartheid e genocídio, bem como uma longa lista de crimes acessórios”, afirma o documento.

Gigantes globais envolvidas

Para a elaboração do documento, a relatora desenvolveu um banco de dados com aproximadamente mil entidades corporativas em todo o mundo. O relatório descreve detalhadamente o papel das 48 empresas em atividades que sustentam a ocupação ilegal e a campanha militar de Israel contra a população palestina. Muitas dessas empresas são estadunidenses.

Entre elas estão:

  • Microsoft, citada por manter seu maior centro de pesquisa e desenvolvimento fora dos Estados Unidos em território palestino ocupado, com tecnologia integrada ao sistema prisional, forças armadas, universidades e escolas, inclusive em assentamentos ilegais;
  • Amazon, acusada de operar diretamente em assentamentos, sustentando sua economia e promovendo entregas de forma discriminatória;
  • Google, que junto da Microsoft e da Amazon recebeu recursos do Ministério da Defesa israelense para fornecer infraestrutura digital e serviços em nuvem ao regime israelense.

Empresas do setor de engenharia e automotivo também são mencionadas, como a Hyundai, da Coreia do Sul, e a Volvo, da Suécia, ambas acusadas de fornecerem equipamentos utilizados na demolição de casas palestinas e construção de assentamentos ilegais. A Chevron aparece por fornecer gás natural e ser coproprietária de gasodutos que abastecem Israel, enquanto empresas como Booking e Airbnb são citadas por listarem propriedades em assentamentos ilegais.

Até mesmo o fundo soberano da Noruega, considerado o maior do mundo, foi apontado por aumentar seus investimentos em empresas israelenses durante os bombardeios em Gaza.

O documento salienta que a lista apresentada é apenas “a ponta do iceberg” da cumplicidade corporativa e da estrutura de envolvimento empresarial. A relatora conclui que as relações corporativas com Israel devem cessar até que a ocupação e o apartheid terminem e as reparações sejam feitas.

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Mulher palestina chora a perda de um familiar no hospital Al-Shifa, na cidade de Gaza. Foto: Omar Al-Qattaa/AFP

Conclusões e recomendações

A análise legal de Albanese reforça que, sob a luz de normas do direito internacional, as corporações têm obrigações de não envolvimento em violações dos direitos humanos. O documento enfatiza que “negócios, como de costume,” não são neutros. O relatório pede ainda o fim das relações corporativas com Israel “até que a ocupação e o apartheid terminem e sejam feitas reparações”.

“O setor corporativo, incluindo seus executivos, deve ser responsabilizado como um passo necessário para acabar com o genocídio e desmantelar o sistema global de capitalismo racial que o sustenta”, diz o texto.

A relatora especial pede que os Estados membros da ONU imponham sanções e um “embargo total” a Israel, e, à sociedade civil, que boicote as empresas que financiam o genocídio palestino. Além disso, pede que a Corte Penal Internacional e os Judiciários nacionais investiguem e processem executivos e entidades corporativas por sua participação na prática de crimes internacionais.

O relatório finaliza afirmando que as atrocidades testemunhadas globalmente exigem responsabilização e justiça urgentes, o que demanda ações diplomáticas, econômicas e legais contra aqueles que mantiveram e lucraram com uma economia de ocupação que se tornou genocida.

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Francesca Albanese, relatora especial da ONU sobre a situação dos direitos humanos nos territórios palestinos ocupados desde 1967. Foto: Fabrice Coffrini/AFP

Brasil: diplomacia do verbo

Embora o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha dado declarações duras, nas quais qualifica a situação em Gaza como um “genocídio premeditado”, o governo brasileiro tem se esquivado de pedidos públicos para que o país rompa relações diplomáticas e comerciais com o regime israelense.

Em maio, um grupo de intelectuais, acadêmicos e artistas, entre eles o ex-ministro da Cultura, Gilberto Gil, e o escritor, cantor e compositor Chico Buarque, e os escritores Jessé Souza e Raduan Nassar, divulgou carta aberta nesse sentido. No dia 18 de junho, movimentos populares e políticos saíram às ruas de diversas cidades do país pedindo o rompimento das relações com o Estado sionista.

Em reunião com parlamentares de esquerda, o assessor especial da Presidência da República, Celso Amorim, afirmou que o governo brasileiro estuda novas ações de pressão contra Israel, sobretudo em relação aos acordos de cooperação militar existentes. No entanto, o embaixador descartou, a princípio, o rompimento de relações com Israel por se tratar de um tema “complexo”.

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Além das bombas, o regime israelense tem matado palestinos de fome, impedindo a entrada de ajuda humanitária em Gaza. Omar Al-Qattaa/AFP

Respostas das empresas

O Brasil de Fato entrou em contato com as empresas mencionadas nesta matéria. Em nota, a Booking informou que não cabe à empresa “decidir para onde alguém pode ou não viajar”. “Seguimos acompanhando de perto essas situações, inclusive possíveis mudanças legais, e aplicamos com rigor os princípios e procedimentos descritos em nossa Declaração de Direitos Humanos, assim como fazemos em todas as regiões do mundo com disputas ou em situação de conflito”, conclui o texto.

A Volvo, também por nota, afirmou que mantiveram “contato com a relatora para esclarecer os fatos e dialogar sobre o trabalho realizado na área de direitos humanos”. “Naturalmente, não desejamos que nossos produtos sejam utilizados para violar os direitos das pessoas, mas, como nossos produtos têm vida útil longa e muitas vezes passam por várias mãos, infelizmente há um limite para o controle ou influência que podemos exercer sobre como e onde eles são utilizados ao longo de sua vida útil”, diz.

“Para evitar equívocos, não somos o tipo de ‘fornecedor passivo’ mencionado pela relatora no relatório; pelo contrário, levamos muito a sério nossos compromissos com o respeito aos direitos humanos e atuamos ativamente no aprimoramento de nossos processos de devida diligência”, diz a Volvo. A nota destaca, ainda, que a empresa não tem operações próprias na Palestina ou em Israel, mas que há venda por meio de revendedores.