
Por Leonardo Sakamoto, no UOL
Se, por um lado, Donald Trump deu uma dor de cabeça a Lula com sua declaração de apoio a Jair Bolsonaro, por outra, também enviou um presente. O petista pode, agora, bater bumbo de que os gringos, indevidamente, metem uma mão peluda na cumbuca da nossa democracia ao interferir em assuntos domésticos brasileiros e atacar nossas instituições.
Como já havia adiantado aqui, uma ação de Trump em favor de Bolsonaro, réu por tentar um golpe de Estado, pode provocar o efeito oposto ao desejado. Ou seja, gerar uma identidade reativa e criar um caldo de insatisfação junto aos patriotas de verdade, que não gostam de outro país dizendo o que o Brasil deve ou não deve fazer.
Um exemplo disso aconteceu no Canadá, quando Trump começou a defender que ele se tornasse o 51º estado norte-americano. Os conservadores, que estavam liderando as pesquisas desabaram e o povo manteve os liberais no poder. Na América Latina, Trump conseguiu melhorar a popularidade da presidente Claudia Sheinbaum ao criticar o México. Sim, ele está se consolidando como um excelente anticabo eleitoral em democracias.
A família Bolsonaro confia que Trump vai pressionar o STF e o Estado brasileiro para evitar uma punição ao ex-presidente. Inclusive, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) tirou uma licença do mandato para ficar nos Estados Unidos conspirando contra a democracia brasileira ao pedir um help às autoridades de lá para emparedar as daqui.
Em uma de suas articulações, o Comitê de Assuntos Judiciários da Câmara dos EUA aprovou um projeto de lei que prevê deportação e veto de entrada a qualquer estrangeiro que, na opinião do governo norte-americano, atue contra a liberdade de expressão. Na prática, a proposta foi criada para impor sanções a Alexandre de Moraes, que suspendeu plataformas digitais instaladas no Brasil que se negaram a cumprir a lei e a obedecer a Justiça em território nacional.
O projeto ainda precisa ser aprovado no plenário da Câmara e do Senado e tem um longo caminho pela frente, mas foi usado como ferramenta de discurso de bolsonaristas.
Por tudo isso, a declaração de Trump foi bola cantada por aqui. Com isso, o governo já estava preparado para reagir.
Lula, em suas redes sociais, logo após as postagens (grifos meus):
“A defesa da democracia no Brasil é um tema que compete aos brasileiros. Somos um país soberano. Não aceitamos interferência ou tutela de quem quer que seja. Possuímos instituições sólidas e independentes. Ninguém está acima da lei. Sobretudo, os que atentam contra a liberdade e o estado de direito”.
A ministra das Relações Institucional, Gleisi Hoffman, foi na mesma linha:
“Donald Trump está muito equivocado se pensa que pode interferir no processo judicial brasileiro. O tempo em que o Brasil foi subserviente aos EUA foi o tempo de Bolsonaro, que batia continência para sua bandeira e não defendia os interesses nacionais. Hoje ele responde pelos crimes que cometeu contra a democracia e o processo eleitoral no Brasil. Não se pode falar em perseguição quando um país soberano cumpre o devido processo legal no estado democrático de direito, que Bolsonaro e seus golpistas tentaram destruir. O presidente dos EUA deveria cuidar de seus próprios problemas, que não são poucos, e respeitar a soberania do Brasil e de nosso Judiciário”, postou.
O líder dos Estados Unidos divulgou críticas ao Brasil no momento em que os dois países discutem um acordo para evitar tarifas. Mas também no qual Trump nos pressiona contra a regulação das big techs e suas plataformas digitais. Jair, mais do que amado por Donald, está sendo usado por ele.
Mas ao se intrometer em questões brasileiras, Trump acaba fortalecendo a imagem de Lula como um presidente que não aceita pressões estrangeiras. E isso pode ser explorado na eleição do ano que vem — principalmente se o seu maior adversário tiver orgulhosamente usado um boné MAGA (Make America Great Again), como o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas.