Haddad acusa sabotagem de bolsonaristas e chama Tarcísio de vassalo de Trump

Atualizado em 10 de julho de 2025 às 14:27
Fernando Haddad

 O Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, participou de uma entrevista coletiva com canais de mídias independentes nesta quinta-feira (10). O evento foi promovido pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e contou com a participação do DCM e de outros veículos. 

A FAMÍLIA BOLSONARO ARTICULOU TAXAS DE TRUMP

Acredito que essa decisão é eminentemente política, pois não parte de nenhuma racionalidade econômica. Os Estados Unidos, como se sabe, são superavitários em relação à América do Sul e ao próprio Brasil. Nos últimos 15 anos, acumulamos um déficit de mais de 400 bilhões de dólares em bens e serviços com os EUA.

Quando a tarifa estava em 10%, reuni-me com o Secretário do Tesouro de Trump na Califórnia e argumentei que não fazia o menor sentido a aplicação dessa tarifa, justamente porque o Brasil apresentava déficit na balança comercial com os norte-americanos. Ele próprio reconheceu que, com os 10%, havia espaço para negociar uma redução. Hoje, estamos diante de uma tarifa insustentável, tanto do ponto de vista econômico quanto político, de 50%. Não acredito que essa situação se sustente. Primeiro, porque temos uma diplomacia reconhecida internacionalmente como uma das mais profissionais e atuantes. Nosso Itamaraty sabe negociar.

Não faz o menor sentido, para as tradições diplomáticas brasileiras, que um país com 200 anos de relações econômicas com o Brasil adote esse tipo de atitude. Essa postura só se explica porque foi gestada dentro do próprio Brasil. A única explicação plausível para o ocorrido é que a família Bolsonaro urdiu esse ataque ao país com um objetivo específico: escapar do processo judicial que está em curso. A motivação, portanto, é de caráter político e envolve diretamente a família Bolsonaro.

O que afirmo não é uma acusação infundada. O próprio Eduardo Bolsonaro veio a público afirmar que, se não houver o perdão, as coisas tendem a piorar — o que leva a crer, até porque não há outra explicação possível, que esse golpe contra o Brasil e sua soberania foi articulado por forças extremistas de dentro do país.

Na minha opinião, essa situação não se sustenta. Acredito que o tiro sairá pela culatra, pois, mais cedo ou mais tarde, a extrema-direita terá que reconhecer que cometeu um erro grave. Está prejudicando, inclusive, o principal estado do país, São Paulo, com impactos diretos sobre o setor de suco de laranja e a indústria aeronáutica, representada pela Embraer — uma conquista histórica da tecnologia brasileira que ficará prejudicada.

A SUBSERVIÊNCIA DE TARCÍSIO DE FREITAS AOS EUA

O governador Tarcísio de Freitas errou gravemente. Ou uma pessoa é candidata à Presidência da República ou candidata a vassalo — e não há espaço para vassalagem no Brasil desde 1822. O que se pretende aqui é uma subserviência diante de uma agressão unilateral, sem qualquer fundamento econômico ou político.

Acredito que esse foi um dia ruim para o país e será preciso encontrar caminhos para superar e apagar esse episódio das relações entre dois povos que se gostam. Temos uma relação histórica com o povo americano, muitas vezes marcada por divergências entre governos — o que é natural na democracia. Mas não se pode comprometer relações entre Estados por divergências pontuais, que podem e devem ser superadas. A diplomacia brasileira, como sempre, está à disposição do governo americano para buscar soluções de parceria e entendimento.

Construímos, nos últimos dois anos, uma relação de aproximação com o governo Biden e temos interesses comuns importantes. Devemos explorar parcerias que fortaleçam os dois países, em vez de adotar atitudes unilaterais, movidas por interesses egoístas, que ignoram a cooperação internacional e o multilateralismo.

Foi, sem dúvida, um dia ruim, que ficará marcado como uma agressão inaceitável e inexplicável: um governo estrangeiro cedendo à pressão de um político extremista local para atacar um país de 215 milhões de habitantes. Neste momento, é fundamental que todos estejam unidos: o setor produtivo, o agronegócio, a indústria paulista — que será a mais afetada. Não podemos discriminar ninguém; pelo contrário, é hora de unidade.

Os setores já estão procurando o presidente Lula, e quero crer que esse tiro no pé será revertido, porque essa situação é insustentável.

HÁ ESPAÇO PARA DIÁLOGO COM TRUMP?

Há uma enorme confusão a respeito da atitude brasileira. O Brasil tem tamanho para não pensar em se aninhar a um bloco econômico, por mais importante que ele seja. O mesmo país que está negociando com China, Índia, Rússia, África do Sul e outros membros que recém aderiram ao BRICS, como países do Oriente Médio que têm muitos recursos para fazer investimentos, é o mesmo país que está buscando — desde a posse do presidente Lula — o acordo com a União Europeia, que, tudo indica, deve ser assinado até o final do ano, inclusive com apoio da França. É o mesmo país que, durante dois anos e meio, buscou, sobretudo na área dos biocombustíveis e de defesa do trabalho, acordo com o governo dos EUA, durante a administração Biden. Nós não mudamos a atitude com o governo dos EUA, respeitando a escolha do povo americano e dizendo que continuamos abertos a parcerias.

Existem cadeias produtivas na indústria absolutamente complementares entre Brasil e EUA. É uma via de mão dupla, que sempre foi vista com muita simpatia entre os dois lados. Um comércio muito bem equilibrado também do ponto de vista da pauta. A gente não vende só commodities, vende também produtos industrializados, como máquinas, equipamentos, produtos alimentícios processados. Por isso, digo que não há racionalidade econômica nessa tomada de decisão e não há por que não voltar a discutir em bases econômicas que sejam boas e edificantes para as duas nações.

Agora, quando você tem uma força interna trabalhando contra o interesse nacional em proveito do interesse individual, aí você começa a inventar teorias da conspiração para justificar o inaceitável, que é o fato de que um brasileiro que presidiu o país está conspirando contra os interesses nacionais em interesse próprio.

Isso é assumido publicamente pela pessoa que está nos EUA, em nome da família Bolsonaro, conspirando contra o Brasil e ameaçando que, se não houver anistia, a coisa pode piorar. Não conheço precedente de uma coisa tão vergonhosa como a atitude dessa família.

BRASIL REJEITA ALINHAMENTO E DEFENDE PARCERIAS DIVERSIFICADAS

O Brasil é grande demais para ser apêndice de um bloco econômico: nossos interesses com a Europa, com a China, com os EUA são equivalentes. Os EUA são o país com o maior aporte de capital no Brasil; o estoque de investimento americano no Brasil é muito relevante. As exportações para a China e o superávit comercial com a China são muito relevantes para o Brasil. O acordo com a União Europeia, do ponto de vista econômico, tem uma dimensão, mas, do ponto de vista geopolítico, é muito importante para evitar re-bipolarizar o mundo, o que trará prejuízo para todos nós. Temos complementariedades com a União Europeia que podem ser exploradas, inclusive do ponto de vista da reindustrialização do país.

O Brasil acredita em uma re-globalização sustentável, pois a globalização neoliberal não deu certo, produziu enormes desequilíbrios e isso, muito em virtude do que foi a receita do Norte Global. O que aconteceu foi uma corrida, e, nessa corrida, a China levou a melhor. Vamos criticar a China por ter aproveitado as oportunidades que se apresentaram para se desenvolver depois de 100 anos de humilhação — como eles caracterizam — o século seguinte à Guerra do Ópio? Eles se industrializaram, se desenvolveram e se tornaram uma potência. Mas isso foi culpa da África ou da América Latina? Ou foi porque o Norte Global não entendeu o que estava acontecendo e, talvez, tenha acordado tarde para o assunto?

Não estamos dando mais ou menos espaço para quem quer que seja. O Brasil está buscando parcerias para se desenvolver com o maior pragmatismo possível, pois, em relações internacionais, o pragmatismo preside em função dos interesses nacionais que estão sendo protegidos.

O fato de o Brasil ser um país multilateral, que se abre para o mundo e busca parcerias, não pode servir de pretexto para uma atitude sem nenhum equilíbrio. Não podemos abrir mão das parcerias que estamos fazendo — não é sensato fazer isso — e não podemos nos alinhar a quem quer que seja, nem abrir mão de oportunidades que estão disponíveis no mundo todo.

Tarcísio e o boné de Trump

É HORA DE COMBATER A DESIGUALDADE E FAZER OS SUPER-RICOS PAGAREM

Já houve várias decisões de que o IOF é prerrogativa do Presidente da República. Pertence a uma jurisprudência das poucas coisas que o Presidente da República tem prerrogativa exclusiva. Ainda assim, nunca saímos da mesa de negociação.

Estamos há dois anos e meio aprovando projetos. Aprovamos, com apoio desse Congresso, a taxação de fundos exclusivos, a taxação de paraísos fiscais — isso já tem dois anos que aconteceu.

O governo Bolsonaro isentou as bets de pagamento de impostos e abriu mão de 40 bilhões de reais de impostos das bets. Até hoje, não sei o que está por trás da correlação de figuras do governo anterior e as bets. Vira e mexe vejo notícias de personalidades do governo anterior tomando jato e visitando o pessoal das bets. Será que foi por isso que se omitiram, isentaram de tributos as bets e trataram como se fosse um hospital filantrópico?

Vamos pegar o caso da Reforma Tributária. O governo anterior sentou em cima da Reforma Tributária e nós nos valemos do acúmulo que o Congresso já tinha patrocinado para aprovar a maior Reforma Tributária da história do Brasil, que vai baratear alimentos, investimentos, exportações. Então, não faz sentido que esse Congresso, que estava nos ajudando até outro dia, vá parar de nos ajudar agora. Vamos continuar na mesa de negociações, com o bom relacionamento com os parlamentares, e assim vamos construir o orçamento de 2026 e as metas fiscais de 2025/2026 porque é bom para o Brasil.

Lembrando que nós temos um princípio: ajuste fiscal é necessário, mas não pode, mais uma vez, ser feito em cima da base da pirâmide. Quem tem que pagar o ajuste fiscal é quem não paga imposto — aumentar, assim, a base de arrecadação, fazendo os super-ricos contribuírem com a sua justa parte na arrecadação federal. Agora, se super-ricos, bets e fintechs não puderem pagar imposto, aí ficará difícil fazer ajuste fiscal em cima do salário mínimo e do Bolsa Família.

O governo Lula já combateu a miséria, a pobreza, abriu as portas das universidades para os negros, pobres e periféricos do país inteiro, reforçamos o SUS, criamos uma série de mecanismos promotores da cidadania — agora chegou a hora de combater a desigualdade no Brasil.

REFORMA DA RENDA, JORNADA DE TRABALHO E O FUTURO DO BRASIL

Eu sempre defendi que nosso campo deveria se voltar para as nossas bandeiras históricas, mas adotar uma forma mais digital de comunicação — voltar às nossas raízes em termos de conteúdo, mas buscar relevância do ponto de vista da forma. O campo progressista está encontrando esse caminho de dialogar com o dia a dia das pessoas.

Veja, uma professora de escola pública paga 10% de imposto de renda retido na fonte, ela nem vê a cor do dinheiro, e uma pessoa que ganha 1 milhão por ano não está disposta a pagar 10%, que é a mesma alíquota da professora de escola pública. Então, tem algo de muito errado no Brasil. A reforma da renda, que está sendo feita desde o primeiro ano do governo, está fechando as brechas para aquilo que sempre acontece: os ricos escaparem da tributação. A alíquota dos super-ricos hoje no imposto de renda é de 2,6%, e a gente está pedindo para completar em 10%.

O projeto de lei da reforma do imposto de renda da pessoa física já seria uma coisa muito benéfica para corrigir a desigualdade social no Brasil, que é um problema persistente. Já a escala 6×1 é um tema que tem recebido cada vez mais atenção do presidente Lula e envolve, para além do Ministério da Fazenda, o Ministério do Trabalho e do Desenvolvimento. Existe, por parte do presidente, uma preocupação em dar uma resposta ao movimento global de retomar o debate sobre jornada de trabalho. Tanta tecnologia deveria significar mais tempo livre para as pessoas — a liberação de tempo para o lazer, o prazer e as liberdades criativas.

O mundo do trabalho vai mudar radicalmente com IAs, digitalização e novas tecnologias, e é natural que essas transformações retomem o debate sobre o mundo do trabalho. O presidente, que veio do chão de fábrica, sabe que esse é um debate inevitável. Então, assim que aprovarmos a reforma da renda, teremos mais energia liberada para nos dedicarmos ao tema da escala.

SOBRE COMUNICAÇÃO: SEM PROJETO, NÃO SE VENDE SONHO

Temos que nos modernizar do ponto de vista da comunicação. Concentração de renda, riqueza e propriedade tem angustiado as pessoas. O problema é que, para comunicar essas coisas hoje, você precisa inovar do ponto de vista da forma. Temos que diversificar o máximo possível, primeiro com o combate às fake news, mas, na minha opinião, a desinformação é reflexo do vácuo que a esquerda deixou nas redes sociais.

Se você preencher isso com informação correta, com as bandeiras corretas, com militância correta, com verdade e projeto de futuro, o espaço para as fakes news vai diminuir. Então, o maior antídoto para a desinformação é a ocupação do espaço, nos valendo de formas novas de comunicação para retomar a confiança das pessoas. Pois hoje as pessoas não têm diante de si um horizonte utópico, um sonho, e todo mundo está com medo de conseguir dar para os filhos a vida que teve, por mais difícil que ela tenha sido. Há muita insegurança sobre isso — e com razão. E, para vender um sonho, você precisa ter um projeto, ou será mais um delírio do que um sonho.

Thiago Suman
Jornalista com atuação em rádio, TV, impresso e online. É correspondente do Daily Mail, da Inglaterra, apresentador do DCMTV e professor de filosofia e sociologia, além de roteirista de cinema e compositor musical premiado em festivais no Brasil e no mundo