
Hoje vou deixar de lado questões candentes do momento (Trump, tarifas, BRICS, eleições de 2026 etc.) para abordar um tema mais estrutural – a notória e tenebrosa turma da bufunfa. E vou pegar alguns de seus integrantes para Cristo.
Não sei se vocês conhecem esse conceito econômico. Como se trata de uma das poucas, talvez a única contribuição que fiz à literatura econômica, cabe uma rápida definição. A turma da bufunfa é um poderoso agrupamento de banqueiros, financistas, rentistas e empresários não-financeiros de grande porte, acolitados por economistas e jornalistas serviçais. É um grupo muito influente, que se dedica a acumular dinheiro, custe o que custar, ignorando na cara dura preocupações sociais e nacionais.
Nem são propriamente brasileiros, mas “cidadãos do mundo” no pior sentido da expressão. São às vezes referidos como “Faria Lima”, outras vezes como “mercado”. Mas a primeira designação é geograficamente muito restrita para um fenômeno que tem alcance nacional e internacional. A segunda sugere uma instância anódina, neutra, que funciona supostamente pelo livre jogo das leis da oferta e da demanda – quando se trata, na verdade, de uma confraria sinistra que atua frequentemente em conluio. Formam uma plutocracia nociva, capaz de desestabilizar países inteiros, até países grandes. Deixados soltos, são capazes de danificar o planeta, como estamos vendo no século 21, com a degradação ambiental, a pobreza, a desigualdade social e a instabilidade recorrente das economias financeirizadas do Ocidente.
Um leitor me sugeriu, certa vez, dar mais precisão à teoria e falar em “turba da bufunfa”. De fato, turma é uma palavra simpática, como por exemplo em “A turma da Mônica” dos desenhos em quadrinhos. A tenebrosa coligação de bufunfeiros está mesmo muito mais para “turba”.
A ala tupiniquim dessa turba é, além disso, estritamente subserviente aos Estados Unidos. Caudatária em tudo dessa superpotência delinquente, não tem nem vestígios de imaginação e criatividade.
Um momento, porém. Devo ressalvar que há importantes exceções a isso no meio financeiro ou com passagem por ele, algumas notáveis, como Gabriel Galípolo, Eduardo Moreira, José Kobori e, em outros tempos, gigantes como Olavo Setúbal e Paulo Pereira Lira. Setúbal e Lira foram homens de espírito público e grande cultura. Mas são casos isolados.
Um destacado integrante da turba da bufunfa.
Faça, leitor ou leitora, um pequeno esforço de imaginação. Lá está um banqueiro qualquer ou um especulador de grande porte. Imaginem a figura – faz pose, peito estufado, hierático, orgulhoso da sua fortuna, olha os pobres mortais de cima para baixo. Não lhe faltam ocasiões para subir ao púlpito e soltar o verbo. Saem as piores trivialidades, não raro em mau português, salpicado desnecessariamente de termos em inglês. A própria linguagem é colonizada. O banqueiro pode até parecer um idiota. Mas, não. É um espertalhão. Sabe ganhar dinheiro, legal ou ilegalmente, com esforço ou trambicagem. Enriquece, geralmente, recorrendo a tráfico de influência, corrupção e evasão fiscal.
Dou um exemplo. O leitor ou leitora sabe quem é Luís Stuhlberger? Até recentemente, eu nunca ouvira falar dele. Sinal alarmante de ignorância financeira, pois ele é um destacado e respeitado integrante da turba da bufunfa local.
Stuhlberger parece ser um caso típico desse grupo social, pelo menos nas opiniões que emite (não sei como ele enriqueceu). As suas opiniões foram publicadas com destaque em matéria publicada pelo jornal Valor (30 de maio, p. C3), que contém in nuce tudo que há de pior na turba da bufunfa.
O que disse o ilustre financista? Vou resumir sem fazer caricatura. Nem precisaria porque a entrevista já é caricatural em si mesma. Segundo ele, o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre diversos itens e, em especial, sobre remessas de recursos para o exterior, foi um sinal de “perigo” e “assustador”.

Constitui, disse Stuhlberger, “uma aula de psicologia gratuita” de como o PT e o governo Lula pensam sobre os mais ricos. A tributação das remessas para fora do país e outras medidas que penalizam a alta renda permitem, declarou ele, continuar subsidiando as classes menos privilegiadas. “O que ele [Lula] pensa é: ‘vamos distribuir dinheiro, vamos aumentar a arrecadação’, não importa que seja de uma maneira unfair”. Para ele o mais problemático foi a tentativa de tributar a compra de dólares: “Isso é muito scary, porque na minha opinião isso deveria aumentar na sua precificação o tail risk negativo do PT”. E diz também: “o trend da eleição de 2026 chegou, chegou antes do que se imaginava”. Ele teme, além disso, que o aumento do IOF possa ser utilizado pelo governo Lula para aumentar o Bolsa Família, o que seria uma carta na manga para a eleição.
A sua grande preocupação, presente já no título da matéria (‘IOF maior é viés para controle de capital’), é que se tenha criado “uma cunha na conta de capital – que deu errado em todos os países”. A mensagem que o governo Lula passa, segundo ele, é: ”Vocês ricos fiquem com seus reais, não têm que comprar dólar. Se quiserem comprar, paguem para mim um pedágio”. Stuhlberger deve estar ainda mais revoltado depois da decisão de Alexandre de Morais que confirmou a quase totalidade do decreto do Executivo sobre o IOF, inclusive o dispositivo que elevou a tributação sobre a compra de moeda estrangeira.
O que pessoas como Stuhlberger querem é manter a liberdade para os movimentos de capital, uma das muitas heranças desastradas do governo Fernando Henrique Cardoso. Com ela, uma minoria de ricaços locais e investidores estrangeiros adquiriram a possibilidade de entrar e sair do Brasil com facilidade. Isso inibe a política econômica nacional porque cria um potencial de instabilidade cambial que volta e meia se materializa. O último episódio foi a turbulência no final de 2024.
Segundo Stuhlberger, os controles de capitais deram errado em toda parte. Falso. Ao contrário, há casos notáveis de sucesso na aplicação de restrições à entrada e saída de capitais. Pode-se destacar Índia e China. A China, um caso de sucesso estrondoso, mantém até hoje controles rigorosos sobre a movimentação transfronteiriça de capital. E não teria alcançado o que alcançou se tivesse aceitado o receituário neoliberal que vitimou e vitima até hoje diversas economias latino-americanas. A Argentina é o exemplo mais espetacular, mas o Brasil também sofre desse problema. Liberdade para os capitais privados implica imobilizar, pelo menos em parte, as políticas monetárias, cambial e fiscal.
Notem a linguagem colonizada. O ilustre financista apela repetidamente para termos em inglês mesmo quando há equivalentes rigorosamente equivalentes na nossa língua. Unfair, por que não dizer injusto? Scary por que não assustador? Tail risk em vez de risco de cauda? É a forma tipicamente vira-lata de tentar se mostrar “internacional” e “sofisticado”. Só impressiona os ingênuos. A elite brasileira é mesmo um lixo, como dizia Leonel Brizola.
Percebo de repente que o artigo está violento demais. Paciência. Vai assim mesmo.
Economistas serviçais
Concluo com uma breve referência ao papel (ou papelão) dos economistas.
Vimos que, com base na sua fortuna, um banqueiro ou financista se sente autorizado a pontificar sobre questões macroeconômicas e macropolíticas, nacionais e internacionais. Se o faz, as suas opiniões são acatadas por muita gente como perfeitamente válidas. Por burrice ou interesse escuso, e mais pelo segundo motivo do que pelo primeiro, abre-se espaço na mídia para financistas toscos, mas que, inconscientes da própria insignificância intelectual e humana, não se envergonham de proclamar os mais surrados chavões, desde que isso atenda a seus interesses estreitos.
No entanto, nem sempre o capitalista financeiro quer se expor em público. Recorre então aos economistas do mercado. Contrata a peso de ouro, um ex-presidente ou ex-diretor do Banco Central, por exemplo, que passa a servir de porta-voz dos seus interesses, em público e nos bastidores.

Querem alguns exemplos? Dou nome aos bois. Basta percorrer a lista de ex-dirigentes do Banco Central – Gustavo Franco, Pérsio Arida, Armínio Fraga, Gustavo Loyola, Ilan Goldfajn, Roberto Campos Neto, entre outros. Não arriscam opiniões próprias e se comportam, em geral, como meros repetidores da cartilha neoliberal. Arida é uma exceção, pois foi um dos arquitetos da URV, ideia original que muito contribuiu para a estabilização da moeda nacional em 1994. Franco tem uma tese de doutorado interessante sobre a estabilização do marco alemão nos anos 1920 (repleta de equívocos, porém). Os demais ainda estão nos devendo algo que preste. O próprio Arida, tendo se dedicado durante décadas a atividades financeiras, involuiu e nada mais diz ou escreve (até onde sei) de interessante ou original. Como sempre digo, a longa dedicação ao mercado parece provocar progressivo estreitamento do horizonte intelectual. O sujeito começa como economista promissor e termina como soldadinho de chumbo da turba da bufunfa.
A ganância e a vontade de fazer fortuna leva esses profissionais a abdicar da independência que é indispensável à criatividade. É o que acontece com os que passam pela porta giratória do Banco Central. Por antever possiblidades lucrativas, diversos economistas se dispõem a passar uma temporada no BC ou em outro setor da área econômica do governo, mesmo ganhando por um tempo salários relativamente baixos. Não importa. Terão futuro promissor, desde que dancem conforme a música enquanto lá estão. Depois, apoiados pela mídia tradicional, consolidam a “credibilidade” conquistada com subserviência. E, mais importante, embolsam a bufunfa.
Como disse Proudhon, no século 19, “la proprieté c’est le vol” (a propriedade é roubo).
Paulo Nogueira Batista Jr. é economista e escritor. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS em Xangai, de 2015 a 2017, e diretor executivo no FMI pelo Brasil e mais 10 países em Washington, de 2007 a 2015. Publicou pela Editora LeYa Brasil o livro “O Brasil não cabe no quintal de ninguém”, segunda edição 2021, e pela Editora Contracorrente o livro Estilhaços, em 2024.