
Um grupo de advogados, que inclui Talitha Camargo, especialista em Direitos Humanos, está entrando com uma ação contra o MBL. A representação busca a impugnação do registro do Partido Missão sob diferentes acusações. O DCM teve acesso exclusivo aos detalhes da documentação.
A ação pretende punir não só irregularidades na coleta de assinaturas do Missão, mas também “vícios de abuso de poder econômico, fraude trabalhista e ofensa à moralidade administrativa”.
O Movimento Brasil Livre diz que coletou 563 mil assinaturas validadas no TSE há três semanas, número superior às 547 mil necessárias para a criação da legenda. A coleta começou em 2023, há dois anos.
O que diz a ação dos advogados
A representação tem como “objeto demonstrar a existência de vícios estruturais insanáveis no processo de formação do Partido Missão, que comprometem a validade dos apoiamentos coletados, caracterizam abuso de poder econômico, fraudes à legislação trabalhista e violam os princípios da moralidade e impessoalidade administrativa”.
São pelo menos quatro acusações de diferentes delitos. Para os autores da ação, há “processo viciado” de coleta de assinaturas com a contratação de coletores sob a forma de contratos civis de prestação de serviços que, na verdade, ocultam relações trabalhistas.
Para os advogados, o serviço era “exercido diuturnamente e de forma continuada”, sem poder ser repassado, o que viola os arts. 2º, 3º e 9º da CLT, bem como os arts. 203 e 197 do Código Penal, configurando frustração de direitos trabalhistas e constrangimento ilegal. Mesmo sem ordens diretas diárias, o simples fato de os coletores estarem integrados à estrutura organizacional, com metas, coordenação e controle, já caracteriza vínculo empregatício (TST, Súmula 331).
A representação também aponta que transcrições de conversas entre coordenadores e coletores permitem concluir que muitos eleitores não foram devidamente informados sobre o objetivo do apoio, sendo levados a assinar por confiança ou omissão de informações.
Essa irregularidade tornaria as assinaturas colhidas nulas. Os advogados citam a jurisprudência do próprio TSE na Ação de Investigação Judicial Eleitoral (AIJE 0603967‑37.2018.6.00.0000), que considera nulo o apoio obtido mediante “vício de consentimento”. Reforçam esse entendimento os precedentes: TSE – AIJE 0601771‑84.2018.6.00.0000 (“Configura abuso de poder econômico a utilização de estrutura financeira para desequilibrar o processo de formação partidária”) e TSE – Ac. nº 6.253/2004, Rel. Min. Peçanha Martins (“A coleta de apoio deve ser fruto de manifestação livre, consciente e não induzida”).
Aumento de assinaturas que coincide com as eleições de 2024
O Partido Missão passou de aproximadamente 32 mil assinaturas validadas em 13 de junho de 2024 para cerca de 73 mil em 11 de julho de 2024, representando um aumento abrupto de mais de 40 mil assinaturas em menos de 30 dias.
O crescimento anômalo coincide com o período pós‑eleitoral em que membros do Partido Missão, vinculados à sua Executiva Nacional, atuaram como prestadores de serviço remunerados por campanhas eleitorais, em especial por recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).
Os advogados apontam possível “abuso de poder econômico” e “ofensa à moralidade administrativa” porque, entre os documentos analisados, destaca‑se que integrantes da Executiva Nacional do Partido Missão – entre eles tesoureiros e vice‑presidentes – receberam valores significativos de campanhas eleitorais do partido União Brasil. As mesmas pessoas foram responsáveis diretas pela organização e comando da estrutura de formação partidária do Missão.
Vale ressaltar o desvio de finalidade: recursos públicos destinados a campanhas foram utilizados, direta ou indiretamente, para a construção da base de um partido privado, violando os princípios da impessoalidade e moralidade (CF, art. 37) e caracterizando desvio de finalidade.
Há, portanto, na visão dos autores da representação, uma confusão entre atividades de campanha eleitoral e formação de partido.
E a ação é taxativa em sua conclusão. Reproduzo abaixo:
“Considerando que todo o modelo de coleta foi baseado na contratação irregular de coletores e, simultaneamente, financiado de maneira indireta por recursos públicos (via FEFC), resta caracterizado o vício de origem que contamina 100% das assinaturas.”
Os advogados pedem ajuizamento de AIJE por abuso de poder econômico, anulação das assinaturas viciadas e indeferimento do registro do partido.
Na esfera trabalhista, também solicitam atuação do Ministério Público do Trabalho e ajuizamento de ação trabalhista, com reconhecimento de vínculo empregatício e multas por contratação irregular.
Pede‑se ainda, na esfera penal, instauração de inquérito por frustração de direitos trabalhistas e investigação de eventual crime contra a fé pública. Fontes do DCM afirmam que a ação tem até 80 % de chances de realmente impedir o MBL de formar o seu partido.
Indícios de irregularidades nas assinaturas
Em 4 de agosto de 2024, o repórter Victor Gaspodini, do Diário do Centro do Mundo, apontou que o MBL estava “enganando as pessoas” para colher assinaturas.
Diz a reportagem:
“Eu faço parte de uma iniciativa chamada Missão. A gente está criando a Missão para lançar um projeto para o Congresso federal (sic) para melhorar as escolas básicas do Brasil”, são as palavras iniciais do militante do MBL ao pedir assinaturas nas ruas. Na sequência do diálogo, ele cita uma série de propostas que acredita que melhorariam a aprendizagem de crianças e adolescentes, como “dois professores em sala de aula”, “aulas de ensino financeiro” e o “retorno do sistema de reprovação”.
De acordo com o discurso, “as crianças estão chegando na sétima série sem saber ler ou escrever direito” e “está sendo construída uma sociedade de imbecis coletivos”.
Dessa forma, o militante tenta convencer o cidadão a assinar a ficha que carrega em sua prancheta, sem citar, em nenhum momento, que a iniciativa se trata apenas da fundação de um novo partido político, tentando induzir as pessoas ao erro: acharem que estão apoiando um projeto de lei para melhorar a educação no Brasil.
Em 12 de novembro daquele ano, o site The Intercept Brasil também registrou novas irregularidades na criação do Missão. O ICL Notícias identificou manobra semelhante, exibindo áudios da coordenadora da coleta de assinaturas na zona sul de São Paulo, Débora, conhecida como Debby, justificando as práticas contestadas.
Para reforçar a acusação de que o público era mantido no escuro sobre a real ligação entre “Missão” e MBL, surge ainda o depoimento de um ex‑quadro do próprio movimento: José Luiz da Costa Neto, ex‑coordenador estadual do MBL em São Paulo e ex‑secretário de Kim Kataguiri, que afirmou: “Devido a muitas pessoas serem bolsonaristas, petistas, não falar que é pro MBL. Isso é normal, pô!”