
Jamil Chade, em sua coluna de hoje, relata que Staffan Lindberg, um sueco sóbrio e pouco dado a histerias tropicais, lhe afirmou que, se as coisas seguirem no atual compasso, os Estados Unidos deixarão de ser considerados uma democracia já em 2026. Não se trata de um palpite de mesa de bar. Lindberg é chefe do V-Dem, programa da Universidade de Gotemburgo que avalia, com denso rigor, a saúde democrática dos países mundo afora.
O aviso aturde. Afinal, não é todo dia que uma república outrora símbolo da democracia — mesmo com todas as suas contradições coloniais — resolve colocar no Salão Oval um fascista. Em apenas seis meses “Trump 2: O Retorno” já conseguiu aquilo que certas doenças autoimunes levam anos para alcançar: atacar sistematicamente o próprio organismo democrático que o abriga.
O mundo vive, há seis meses, suspenso numa corda bamba circense, com o palhaço fascista, de tempos em tempos, sacudindo a corda com tarifaços, chantagens, grosserias, falas arrogantes e desrespeitosas. Todas encenadas por um corpo-palhaço em franca decomposição.
Ontem mesmo, por meio de ato assinado por seu servil chanceler Marco Rubio, um asqueroso gusano da Flórida, o fascista alaranjado decidiu que um green card cairia bem ao Bananinha, o deputado licenciado que virou cheerleader da ultradireita internacional. O governo Trump concedeu a ele e sua prole um visto permanente, como se acolher bananeiras raivosas fosse agora política de Estado.
E como a lógica fascista não respeita porteiras, tampouco aprecia meias medidas (nem meias, nem lógica), fez o serviço completo: mandou recolher os vistos de ministros do STF. Quase todos. Barroso, Toffoli, Zanin, Dino, Cármen Lúcia, Fachin, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes e o procurador Gonet. Todos reduzidos à condição de indesejáveis. Suas famílias também. E, para não faltar requinte de crueldade, os “aliados no tribunal” foram incluídos no banimento.

É deplorável, é repugnante, é vomitativo. Mas há, aí, uma lógica. Perversa, sim, mas ainda assim lógica. Se o governo Trump é fascismo escancarado, é natural que adule bananas autoritárias e veja com maus olhos ministros que ousam defender a Constituição e a ordem democrática. São incompatibilidades de projeto civilizacional. Um Trump revigorado em sua segunda temporada não quer saber de iluministas togados; prefere, com entusiasmo, os que rezam a cartilha das armas, da cloroquina e da supremacia dos brancos ressentidos aos que valorizam a democracia, o respeito mútuo, a vida digna como bem supremo.
Mas é no confisco seletivo dos vistos que mora o detalhe mais preocupante: três ministros do STF foram poupados da degola diplomática. Três. André Mendonça, Nunes Marques e Luiz Fux.
Não pretendo me estender a respeito de Nunes Marques, esse amigo de sertanejo, ao menos nos mares gregos. Concentro-me em Fux e Mendonça.
Desde já, peço desculpas: sou perucofóbico. Lamentavelmente, sou perucofóbico. Esforcei-me, sim, para não sê-lo, mas a perucofobia me venceu. Talvez porque eu seja demasiado devoto — por demais devoto — das minhas próprias regras; entre elas, a de jamais confiar em quem não tem coragem de assumir a calvície. Com ou sem fundamento, é assim, e ponto.
A peruca, entre todas as próteses já concebidas pela engenhosidade humana, é a que pior se adapta ao corpo. Não resiste ao vento, à chuva, ao calor, ao suor, à água quente, nem à fria. Frágil de corpo e alma, não resiste a nada. Além disso, não sobrevive a uma inspeção minimamente atenta: basta olhar para uma peruca, e ela se revela por completo.
Alguém, em tempo algum, já foi verdadeiramente enganado por uma peruca?
Alguém já olhou para uma peruca e não a reconheceu, não viu que ali havia uma peruca?
Como, então, confiar em quem escolhe como disfarce uma prótese cuja única função é gritar que é prótese?
Fiz essa desnecessária digressão preconceituosa, assumidamente preconceituosa, para dizer que o STF conta com sua própria bancada da peruca, composta por duas perucas titulares: Fux e Mendonça, ambos com direito pleno, representatividade garantida e vistos estadunidenses afixados com zelo diplomático aos respectivos passaportes.
Comecemos por Fux, o mesmo que se vendeu ao Zé Dirceu como zagueiraço que mata todas no peito e, na primeira oportunidade, virou o nariz em direção ao gol que defendia e fez um golaço contra. Fux carrega, há anos, o mesmo guaxinim desidratado no cocuruto. Está lá: visível, escorregadio e brumoso — tão fugidio e enevoado quanto os votos do próprio Fux. Faça o teste: leia (ou ouça) um voto dele e diga, de imediato, se não parece ter sido “exarado” por um guaxinim.
Já o terrivelmente evangélico mal acabava de ser premiado (sim, no caso de um nulo como ele, não havia prêmio maior) com uma cadeira no STF, e pahf! como num passe de mágica pentecostal, passou a alimentar sua peruca com uma ração de crescimento ultra-rápido. Em questão de horas, seus cabelos protéticos cresceram uns bons dez centímetros. A fórmula, generosa, ainda alterou a coloração dos fios plásticos, conferindo-lhes um tom “luzes”, algo entre galã de novela e influencer de lifestyle jurídico.

Em ambos os bancadeiros, a peruca não é mero ornamento. Cumpre a função simbólica de encobrir. Ou melhor, acobertar com brilho sintético, o ranço ideológico que vai do reacionário ao feudal, passando por tudo o que é antipovo, anticivilizacional e escancaradamente pró-capital.
É por isso que, diante do escândalo de terem sido perdoados por Trump, a bancada da peruca, Fux à frente, deveria, por um imperativo categórico kantiano, moralmente mínimo, declarar greve de fome. Ou, ao menos, greve de escova progressiva. Já seria um adianto.
O terrivelmente evangélico poderia, em nome da transparência, rezar publicamente, com o auxílio glossolálico intraduzível de Michelle, para que seu visto fosse também retirado. Não seria o primeiro a confundir jejum de Disneylândia com martírio.
Afinal, que dignidade democrática pode resistir à manutenção de um visto de viagem concedido por um governo fascista em pleno exercício?
Mas, como tudo isso é improvável — e como a democracia não sobrevive de ironias — resta-nos, nesta balança surreal em que Bananinha vira refugiado político do autoritarismo e Cármen Lúcia é tratada como ameaça à segurança nacional, manter a vigília cívica, democrática e permanente sobre os ministros poupados pelo fascismo ianque. Porque, se há um critério de pertencimento ao clube trumpista, é este: só fascistas obedientes, alinhados, plastificados e servis são bem-vindos.
Porque, como alertou Lindberg, a democracia estadunidense está a um ano do colapso total. E, se ela cair em Washington, no dia seguinte veremos a volta do culto ao pneu, às antenas harpii e das visitas da esposa do general Villas Bôas aos acampamentos em Brasília.