Paulo Figueiredo e seu pai são condenados por fraude em que embolsaram mais de R$ 33 milhões

Atualizado em 1 de agosto de 2025 às 6:55
Paulo Figueiredo e Donald Trump fazem negócio: golpe

O empresário Paulo Figueiredo Filho e seu pai, Paulo Figueiredo, respectivamente filho e neto do ditador João Figueiredo, tiveram seus nomes inseridos na Dívida Ativa da União por não pagarem multas que ultrapassam os R$ 100 milhões impostas pela Comissão de Valores Mobiliários, órgão vinculado ao ministério da Fazenda.

O motivo: ambos cometeram, enquanto estavam associados em um negócio com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para construir um hotel no Rio de Janeiro, as seguintes ilegalidades:

1 – Prática de operação fraudulenta no mercado de valores mobiliários.

2 – Transferência indevida de riqueza.

3 – Desvio de recursos e enriquecimento ilícito.

Ao contrário do que costuma alegar, Paulo Figueiredo não ganha a vida como jornalista, mas sim como empresário, lobista e operador do mercado financeiro. As ilegalidades que ele e o pai cometeram enquanto estavam associados com Trump fizeram com que os familiares do ex-ditador embolsassem ilegalmente mais de R$ 33 milhões.

As operações fraudulentas estão fartamente provadas no processo administrativo CVM nº 19957.007626/2019-94, cuja condenação definitiva (imposta por unanimidade por um colegiado formado por três diretores da CVM) foi publicada no início deste ano. Os Figueiredo não recorreram da decisão, que já transitou em julgado. Veja, abaixo, trecho do documento.

A condenação do filho e do neto de João Figueiredo: fraudes que superaram os R$ 33 milhões (crédito: CVM/Ministério da Fazenda)

Junto a Eduardo Bolsonaro, Figueiredo é um dos artífices do tarifaço de Trump e dos ataques à soberania nacional por parte do governo dos Estados Unidos. É obcecado por pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, a quem chama de “ditador de toga” etc. Celebrou a sanção a Moraes dizendo “missão cumprida”.

Em 2022, foi alvo de decisões judiciais do Supremo que determinaram o bloqueio de suas redes sociais no Brasil, o congelamento de bens e o cancelamento do passaporte por participação na tentativa de golpe de estado. A Polícia Federal o incluiu formalmente no inquérito que apura a atuação de Eduardo em ações contrárias aos interesses do Brasil nos EUA.

Fraudes, desvios e enriquecimento ilícito: o caminho da condenação dos Figueiredo

Conforme apontam as autoridades da Comissão de Valores Mobiliários, em 2013, alguns empresários criaram um projeto para financiar a construção, até 2016, de um hotel. Montaram um FIP (Fundo de Investimento em Participações) e captaram recursos de entidades de previdência complementar. O hotel tornou-se funcional na data prevista, porém com diferenças em relação ao projeto original.

A ilegalidade central é de cometimento de operações fraudulentas com dois pilares: superavaliação do projeto, pelo que as cotas do FIP teriam sido vendidas por preço artificial e taxas de serviços no FIP pagas sobre PL (patrimônio líquido) artificial, e desvios de recursos feitos a partir da companhia detida pelo FIP (a empresa que operaria o hotel), por pagamentos substanciais a fornecedores ligados aos idealizadores do projeto e sem que tivessem prestado os serviços.

Os condenados – entre os quais figuram os Figueiredo – incluem os idealizadores do projeto, intermediários, gestoras e administradoras fiduciárias. Além da operação fraudulenta, outras ilegalidades constatadas incluem falhas nos deveres fiduciários, falha no dever de avaliação de cotas e atuação irregular por pessoas que não teriam registro na CVM para atuarem na distribuição das cotas do FIP.

O projeto do hotel, o FIP e rescisão com Donald Trump

Paulo Figueiredo Filho, Ricardo Rodrigues e uma empresa chamada KB Assessoria em Investimentos Ltda. (chamados de “Promotores” do fundo pelas autoridades da CVM) pediram o registro do FIP na CVM, em julho de 2012. Os recursos seriam usados para adquirir um terreno e construir um hotel. O regulamento previa PL de até R$ 250 milhões. O período de investimentos duraria três anos; o de desinvestimento, cinco.

Das características do projeto que acompanhou o registro, destacam-se: a operadora seria a Trump Hotel Collection Rio LLC – “Trump Rio”; o hotel teria 15 andares, 175 quartos, a maioria com vista para o mar, área construída de 12.000m2 e deveria estar pronto antes do início dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro (agosto de 2016).

Três fases de desenvolvimento estavam previstas: (I) Os Promotores constituiriam uma empresa chamada LSH Barra para desenvolver o projeto hoteleiro e adquirir o terreno; (II) constituiriam e operacionalizariam o FIP LSH para quitar o terreno e viabilizar a construção do hotel; e (III) captariam os recursos no mercado, com o ingresso de cotistas no Fundo.

O FIP tinha um Comitê de Investimento, composto por membros indicados pelos cotistas (e que os Promotores viriam a sempre integrar). O Comitê indicava os administradores da companhia investida, que tinham poderes para contratar com fornecedores de bens e serviços necessários ao desenvolvimento do projeto.

Em dezembro de 2012 os Promotores adquiriram o terreno onde seria construído o hotel. Já em fevereiro de 2013, os Promotores tornaram-se os únicos acionistas da LSH Barra, subscrevendo R$ 1 milhão cada um em seu capital.

No mesmo mês, a LSH Barra firmou contrato com a Tetris Advisory para prestar serviços para “viabilizar a captação de recursos” estruturando um FIP – fundo de investimento em participações – de até R$ 250 milhões.

Em março de 2013, a Baker Tilly elaborou um laudo de avaliação do projeto, no valor de R$ 113,5 milhões. Em 28 do mesmo mês, houve a primeira emissão de cotas pelo FIP LSH (3.000 mil cotas a R$1.000,00 por cota). Os Promotores – Paulo Filho, Ricardo Rodrigues e KB – subscreveram toda a emissão, integralizando as ações que tinham da LSH Barra. A companhia foi reavaliada com base no laudo de avaliação mencionado acima.

Em abril de 2013, os Promotores, então únicos cotistas, deliberaram a segunda emissão, de R$ 247 milhões. As cotas foram subscritas por entidades de previdência complementar. O hotel entrou em operação antes do início dos jogos, com 75 quartos. Em dezembro de 2016, o contrato com a Trump Rio foi rescindido, e Paulo Figueiredo e os demais não puderam mais usar a marca Trump, o empreendimento foi renomeado como “LSH Hotel”.

A origem do processo

O processo tem início quando a CVM recebe cópias de e-mails entre representantes da LSH Barra e a então administradora do FIP, com as primeiras evidências de fraudes.

É que alguns fornecedores da LSH Barra, com alguns sócios relacionados aos Promotores, receberam recursos aplicados pelo FIP LSH, e deliberadamente deixaram, total ou parcialmente, de entregar as contrapartidas contratadas, como a “Polaris Consultoria de Negócios Imobiliários”.

Em junho de 2013, a Polaris e LSH Barra firmaram um contrato. Pela prestação do serviço de consultora de negócios imobiliários, a Polaris receberia R$ 6,675 milhões, em três parcelas: R$ 1,5 milhão na assinatura do contrato; R$ 1,5 milhão em 15 de dezembro de 2013; e a última, na data de operação do hotel. Em 30 de dezembro de 2014, o Comitê ratificou o contrato.

O serviço seria composto por uma série de atividades, inclusive a supervisão do desenvolvimento do projeto. Deveria manter informados o Comitê de Investimentos, a Gestora e a Administradora do fundo, mediante relatórios enviados em periodicidade prevista em documento separado.

Apenas um problema foi detectado pelas autoridades da CVM: os donos da Polaris, que deveria avalizar o trabalho do fundo criado e administrado pelos Figueiredo eram… os próprios Figueiredo! Sim, é isso mesmo, Paulo Figueiredo e seu pai resolveram contratar uma empresa deles mesmos para ganhar R$ 6,675 milhões para atestar que eles mesmos estavam fazendo um bom trabalho como administradores do fundo!

Conforme mostra o processo na CVM, a Polaris tinha como sócios Paulo Filho e Paulo Figueiredo (pai de Paulo Filho). Paulo Figueiredo era presidente do conselho e Paulo Filho era o diretor presidente.

Resultado: a CVM determinou uma inspeção nessas operações e não identificou elementos que demonstrassem que a Polaris tinha prestado os serviços previstos.

Ou seja, Paulo Figueiredo e seu pai criaram um fundo para captar R$ 250 milhões para construir um hotel no Rio com Donald Trump. Depois, contrataram uma empresa deles mesmos para avalizar seu trabalho e determinar o valor que deveria ter este investimento no mercado financeiro, mas tal contratação não passou de mero desvio de dinheiro para o bolso dos Figueiredo, já que os serviços jamais foram prestados.

Mas as fraudes não acabam por aí. O contrato compreendia também serviços de assessoramento (i) na definição do projeto; (ii) na escolha do futuro operador hoteleiro; (iii) na definição do modelo jurídico e na viabilização junto a órgãos governamentais; (iv) na busca de oportunidades e seleção de potenciais operadores terceirizados para os setores de alimentos, bebidas e demais serviços prestados pelo hotel; (v) na comunicação do projeto; e (vi) outros, tais como o acompanhamento mensal da construção para verificar a execução correta do projeto e a vistoria de conclusão da obra.

Segundo descobriram as autoridades da CVM, porém, a LSH Barra, então gestora do FIP LSH, forneceu, como prova dos serviços da Polaris, cinco relatórios, que, no total, continham apenas 32 páginas, algumas parcialmente em branco. Além disso, três deles não apresentavam sequer data de emissão, e dois foram apresentados sem a assinatura dos representantes da Polaris. Mais: dois deles continham conteúdo absolutamente idêntico!

Uma análise da movimentação bancária realizada ao longo do processo constatou quem foram os beneficiários de recursos da Polaris entre fevereiro e outubro de 2014, a partir dos pagamentos feitos pela LSH Barra. São eles Paulo Figueiredo (R$ 411.999,00), Paulo Figueiredo Filho (R$ 86.900,00) e uma empresa chamada Pour Marie Engenharia e Administração de Imóveis Ltda (R$ 429.600,00). E quem era o dono da Pour Marie? Paulo Figueiredo (o pai) e sua esposa. E qual era a sede social da Pour Marie Engenharia? A própria residência dos Figueiredo!

É isso mesmo: a empresa dos Figueiredo foi contratada pelo fundo de investimento controlado pelos Figueiredo e, por sua vez, contratou outra empresa dos Figueiredo para realizar o serviço. Tudo consta no processo em que os dois descendentes do ditador foram condenados. Veja trecho abaixo.

As contratações fraudulentas que serviram para desviar recursos para as empresas dos Figueiredos (crédito: CVM)

O extenso conteúdo probatório a sustentar a condenação dos Figueiredo mostra que era prática da família ao longo de todo o processo embolsar dinheiro do fundo fazendo uso de contratações fraudulentas de empresas controladas por eles mesmos para realizar serviços que nunca eram cumpridos.

Um exemplo é o caso da Maramar, uma empresa contratada para fornecer mármore ao projeto hoteleiro.

As fraudes na construção do hotel

Em dezembro de 2014, a LSH Barra contratou uma empresa chamada Maramar, para que esta viesse a adquirir mármores e outros materiais de construção de fornecedores chineses. O contrato também foi ratificado pelo Comitê em 30 de dezembro daquele ano.

Pela cláusula 2.5 do instrumento, a Maramar podia subcontratar serviços de terceiros, incluindo o de representação comercial, e também permitia que eventuais subcontratados – como uma outra empresa chamada Great Wall – faturassem seus serviços à LSH Barra.

Antes do acordo com a LSH Barra, em 1º de junho de 2014, a Maramar já firmara contrato com a Great Wall, em que prestaria àquela serviços de representação comercial de venda de produtos da Maramar em território brasileiro. Pelo contrato, a Great Wall seria remunerada por comissão sobre as vendas que intermediasse, sem especificar valores ou percentuais.

Apesar de o contrato entre a Great Wall e a Maramar estabelecer que a remuneração pelos serviços prestados seria realizada entre essas partes, a Great Wall foi remunerada diretamente pela LSH Barra, com diversos pagamentos entre 2015 e 2016. O objeto social da empresa era a prestação de serviços combinados de escritório e apoio administrativo.

O quadro societário da Great Wall tinha como acionista majoritário uma empresa chamada JP Broder Consultoria Empresarial e Investimentos Ltda. E quem era o sócio majoritário e administrador desta empresa? Paulo Figueiredo Filho!

Detalhe: autoridades da CVM destacam que o montante financeiro transferido da LSH Barra à Great Wall, a título de comissão, tem valor superior àquele pago ao importador dos materiais, isto é, a própria Maramar.

As comissões somaram R$ 5.594.173,49, enquanto a Maramar recebeu a quantia de R$ 2.963.002,26. Ou seja: a Great Wall teria recebido, a título de representação comercial, comissão de 188% do valor recebido pela firma Maramar, responsável pela importação, desembaraço e entrega dos materiais.

E assim Paulo Figueiredo e seu pai foram embolsando o dinheiro que recolhiam dos acionistas que acreditaram em seu projeto hoteleiro, até chegar a um valor pouco superior a R$ 33 milhões.

Conclusão da CVM: pagamentos eram desvios; operação fraudulenta

Assim, a conclusão do processo, transcrita abaixo, não deixa dúvidas sobre a verdadeira atividade de Paulo Figueiredo, que se chama de jornalista: trata-se de um empresário do mercado de capitais, que tem uma dívida no Brasil de mais de R$ 100 milhões e que não possui contas no país porque essas seriam imediatamente bloqueadas para pagar essa dívida.

O processo que gerou essa dívida tem origem em suas atividades fraudulentas como empresário do mercado de capitais. Não há perseguição política, não há relação com sua atividade secundária em canais do YouTube, não há coisa alguma diferente da comprovação de que Paulo Figueiredo desviou para o próprio bolso (e também para o de seu pai) milhões de reais que foram confiados a ele por investidores de boa fé.

Leia e veja, abaixo, como a CVM resume o episódio:

“Os pagamentos feitos pela LSH Barra a alguns de seus fornecedores apresentaram indícios de irregularidades, porque os serviços contratados não teriam sido efetivamente entregues e haveria potenciais conflitos de interesse na relação entre tais fornecedores e dirigentes da LSH Barra.

Paulo Filho, valendo-se de sua condição de “sócio desenvolvedor” e responsável pela estruturação do projeto de investimento, como também de sua posição nas instâncias decisórias da LSH Barra, teria arquitetado um modus operandi destinado a transferir recursos do caixa da companhia, para amealhar vantagens patrimoniais e financeiras para si próprio, como também para membros de sua família e pessoas que lhe eram próximas.

Assim, o conjunto de ações dos agentes para desviar recursos teria incluído a utilização de ardil ou artifício destinado a induzir ou manter terceiros em erro, para obter vantagem ilícita de natureza patrimonial, configurando operação fraudulenta.”

Mais claro, impossível.