
O número de pessoas em situação de rua nos Estados Unidos atingiu, em 2024, o maior patamar desde o início dos registros, revelando um contraste com a posição do país como a maior economia do planeta, com PIB estimado em US$ 30 trilhões (cerca de R$ 162 trilhões), conforme informações da BBC News.
De acordo com o Departamento de Moradia e Desenvolvimento Urbano (HUD), 771.480 pessoas estavam sem moradia no início de 2024, alta de 18% em relação a 2023, que já havia registrado aumento de 12% em relação a 2022. O crescimento foi generalizado, mas mais intenso entre famílias com filhos, que tiveram alta de cerca de 40%.
A nova ofensiva de Trump contra os sem-teto
No domingo (10), o presidente Donald Trump afirmou em sua rede TruthSocial que “os sem-teto precisam sair imediatamente” de Washington DC.
“Daremos a eles um lugar para ficar, mas longe da capital. Os criminosos não precisam se mudar. Vamos colocá-los na cadeia, que é onde deveriam estar”, escreveu.
No dia seguinte, convocou a Guarda Nacional e assumiu o comando direto da polícia da capital, determinando também o reforço das patrulhas noturnas com agentes do FBI.
Segundo Trump, o objetivo é “liberar” uma cidade “sem lei” dos sem-teto e criminosos, tornando-a “mais bela e segura do que nunca”.
As medidas seguem uma ordem executiva assinada em julho, que facilita a prisão de pessoas em situação de rua, orienta que verbas federais sejam priorizadas para Estados e cidades que proíbam acampamentos urbanos, consumo aberto de drogas e ocupações ilegais, e permite a internação civil de indivíduos com doenças mentais que representem risco para terceiros ou que não consigam cuidar de si mesmos.
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Reação local e contestação de dados
A prefeita democrata de Washington DC, Muriel Bowser, classificou a ação como “desconcertante e improcedente”, apontando que a criminalidade violenta na cidade caiu em 2024 para o menor nível desde 2023. Dados da Polícia Metropolitana indicam que a tendência de queda segue em 2025.
Organizações de direitos civis, como a União Americana das Liberdades Civis (ACLU), criticaram a ordem executiva por ampliar a vigilância e a criminalização da pobreza.
“Criminalizar as pessoas por não terem um teto ou por sofrerem problemas de saúde mental ou de abuso de substâncias não irá criar uma comunidade mais segura”, afirmou a médica Margot Kushel, da Universidade da Califórnia em São Francisco.
Recorde histórico e impacto da imigração
O relatório do HUD aponta que, em 2024, quase 150 mil menores de idade estavam em situação de rua na noite da contagem. Um dos poucos grupos a registrar queda foi o de veteranos das Forças Armadas: -8% no total e -11% entre os que viviam fora de abrigos.
Entre os fatores que impulsionaram os números estão a crise nacional de moradia, o fim da assistência emergencial da pandemia — como a moratória de despejos e o Programa de Assistência para Aluguel — e a chegada de dezenas de milhares de imigrantes em busca de asilo.
Nas 13 comunidades que mais receberam imigrantes, o número de famílias sem-teto mais que dobrou; nas demais 373 comunidades, a alta foi de 8%. Em áreas como Skid Row, em Los Angeles, imigrantes da Venezuela e do Equador relataram viver em barracas improvisadas, sem acesso a emprego formal nem possibilidade de pagar aluguel.
Escassez de moradia e crise estrutural
Organizações como a Aliança Nacional para o Fim dos Sem-Teto e a Coalizão Nacional pela Moradia de Baixa Renda (NLIHC) apontam causas profundas para a crise: escassez de moradia acessível, aumento do custo dos aluguéis acima dos salários, racismo estrutural, marginalização e falta de acesso a serviços de saúde e assistência social.
Segundo a NLIHC, faltam 7,1 milhões de unidades de moradia acessível para famílias de renda extremamente baixa — apenas 35 imóveis para cada 100 famílias elegíveis.
O relatório da coalizão mostra que um trabalhador que ganha salário mínimo precisa trabalhar 104 horas por semana — equivalente a 2,4 empregos em tempo integral — para alugar um apartamento de um quarto a preço “justo” de mercado. As Nações Unidas consideram acessível uma moradia cujo custo não ultrapasse 30% da renda familiar.

Saúde, envelhecimento e vulnerabilidade
Estudos da Universidade da Califórnia mostram que quase metade das pessoas idosas em situação de rua perdeu a moradia depois dos 50 anos, muitas vezes em decorrência de problemas de saúde ou perda de renda.
Sem sistema de saúde pública universal, três em cada quatro adultos americanos dizem temer não conseguir pagar despesas médicas inesperadas. Entre os que têm seguro privado, 21% afirmam deixar de buscar atendimento por não conseguirem arcar com custos fora da cobertura.
Para especialistas como Kushel, sem um pacote de políticas públicas integradas, que ataque simultaneamente a falta de moradia, as desigualdades salariais e a ausência de rede de proteção social, ordens executivas como a de Trump apenas oferecem uma resposta “simplista e distorcida” para um problema complexo que, ano após ano, bate recordes no país mais rico do mundo.