Sakamoto: Trabalhadores de restaurante argentino são resgatados da escravidão no RS

Atualizado em 17 de agosto de 2025 às 12:19
Resgate dos dez trabalhadores bolivianos e argentinos em restaurante argentino. Foto: Reprodução/Equipe Operação

Por Leonardo Sakamoto, no UOL

Dez trabalhadores foram resgatados de condições análogas às de escravo em um restaurante argentino em Porto Alegre, dos quais seis mulheres e quatro homens, com idades entre 19 e 37 anos. Seis eram bolivianos e outros quatro, argentinos.

A operação realizada no Club da Milanesa – Resto & Bar, localizada no bairro Moinhos de Vento, na capital gaúcha, contou com a participação do Ministério do Trabalho e Emprego, do Ministério Público do Trabalho e da Polícia Federal e foi desencadeada por um procedimento instaurado pelo MPT.

De acordo com a Inspeção do Trabalho, os trabalhadores bolivianos estavam alojados em condições degradantes. Não havia chuveiro no banheiro, lâmpadas nos cômodos e nem todos contavam com camas ou cobertores em quantidade suficiente. Tinham que conviver com a água da chuva que entrava no imóvel.

Foram recrutados na Bolívia com a promessa de bons salários, registro em carteira, alojamento adequado e jornadas dignas, além de comida e transporte. Porém, ao chegarem ao Brasil, se depararam com alimentação insuficiente, remuneração abaixo do salário mínimo, descontos ilegais pela viagem e jornadas que chegavam a 15 horas por dia. Sem vale-transporte, caminhavam um hora até o trabalho e outra para voltar.

Já os trabalhadores argentinos também estavam submetidos a jornadas exaustivas e desrespeito aos direitos. Já haviam passado pelo alojamento precário e, agora, tentavam arcar com os custos da locação de um imóvel na capital gaúcha por conta própria.

Fiscal conversando com um dos presentes no momento da operação. Foto: Divulgação/MTE

Ainda segundo a fiscalização, a empresa buscava mão de obra de migrantes estrangeiros, mas não assinava a carteira de trabalho, ignorando os direitos previstos na legislação brasileira e submetendo-os a condições degradantes e jornadas exaustivas.

A empresa publicou um comunicado oficial em sua conta no Instagram: “No Club da Milanesa, lamentamos profundamente a divulgação de informações falsas e mal-intencionadas, promovidas por ex-colaboradores e reproduzidas por alguns funcionários do Ministério Público do Trabalho”.

“Estamos preparando uma resposta documentada e verificável, que deixará evidente a total ausência de fundamentos desta operação. Em breve, a verdade virá à tona e cada parte ficará no lugar que lhe corresponde. Pedimos que acompanhem as novidades. Não vamos ser dobrados por mentiras: a verdade prevalecerá”, completa.

O resgate ocorreu no dia 8 de agosto. Na quinta (14), o Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul firmou um Termo de Ajustamento de Conduta com o restaurante, que vai pagar os direitos devidos e verbas rescisórias, além de indenização por danos morais a cada um dos dez trabalhadores.

Também se compromete a seguir as leis trabalhistas e assinar as carteiras de trabalho antes do deslocamento para o local de prestação de serviços em caso de contratação de mão de obra estrangeira. Os trabalhadores também vão receber as parcelas do seguro-desemprego especial destinado às vítimas de trabalho escravo.

Trabalho escravo no Brasil

A Lei Áurea aboliu a escravidão formal em maio de 1888, o que significou que o Estado brasileiro não mais reconhece que alguém seja dono de outra pessoa. Persistiram, contudo, situações que transformam pessoas em instrumentos descartáveis de trabalho, negando a elas sua liberdade e dignidade.

Desde a década de 1940, a legislação brasileira prevê a punição a esse crime. A essas formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea, condições análogas às de escravo.

De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).

Os mais de 65 mil trabalhadores resgatados estavam em fazendas de gado, soja, algodão, café, frutas, erva-mate, batatas, cebola, sisal, na derrubada de mata nativa, na produção de carvão para a siderurgia, na extração de caulim e de minérios, na construção civil, em oficinas de costura, em bordéis, entre outras atividades, como o trabalho doméstico.

No total, a pecuária bovina é a principal atividade econômica flagrada desde 1995. Números detalhados sobre as ações de combate ao trabalho escravo podem ser encontrados no Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil. Denúncias podem ser feitas de forma anônima pela Plataforma Ipê ou pelo Disque 100.