
Por Leonardo Sakamoto, no UOL
Dez trabalhadores foram resgatados de condições análogas às de escravo em um restaurante argentino em Porto Alegre, dos quais seis mulheres e quatro homens, com idades entre 19 e 37 anos. Seis eram bolivianos e outros quatro, argentinos.
A operação realizada no Club da Milanesa – Resto & Bar, localizada no bairro Moinhos de Vento, na capital gaúcha, contou com a participação do Ministério do Trabalho e Emprego, do Ministério Público do Trabalho e da Polícia Federal e foi desencadeada por um procedimento instaurado pelo MPT.
De acordo com a Inspeção do Trabalho, os trabalhadores bolivianos estavam alojados em condições degradantes. Não havia chuveiro no banheiro, lâmpadas nos cômodos e nem todos contavam com camas ou cobertores em quantidade suficiente. Tinham que conviver com a água da chuva que entrava no imóvel.
Foram recrutados na Bolívia com a promessa de bons salários, registro em carteira, alojamento adequado e jornadas dignas, além de comida e transporte. Porém, ao chegarem ao Brasil, se depararam com alimentação insuficiente, remuneração abaixo do salário mínimo, descontos ilegais pela viagem e jornadas que chegavam a 15 horas por dia. Sem vale-transporte, caminhavam um hora até o trabalho e outra para voltar.
Já os trabalhadores argentinos também estavam submetidos a jornadas exaustivas e desrespeito aos direitos. Já haviam passado pelo alojamento precário e, agora, tentavam arcar com os custos da locação de um imóvel na capital gaúcha por conta própria.

Ainda segundo a fiscalização, a empresa buscava mão de obra de migrantes estrangeiros, mas não assinava a carteira de trabalho, ignorando os direitos previstos na legislação brasileira e submetendo-os a condições degradantes e jornadas exaustivas.
A empresa publicou um comunicado oficial em sua conta no Instagram: “No Club da Milanesa, lamentamos profundamente a divulgação de informações falsas e mal-intencionadas, promovidas por ex-colaboradores e reproduzidas por alguns funcionários do Ministério Público do Trabalho”.
“Estamos preparando uma resposta documentada e verificável, que deixará evidente a total ausência de fundamentos desta operação. Em breve, a verdade virá à tona e cada parte ficará no lugar que lhe corresponde. Pedimos que acompanhem as novidades. Não vamos ser dobrados por mentiras: a verdade prevalecerá”, completa.
O resgate ocorreu no dia 8 de agosto. Na quinta (14), o Ministério Público do Trabalho no Rio Grande do Sul firmou um Termo de Ajustamento de Conduta com o restaurante, que vai pagar os direitos devidos e verbas rescisórias, além de indenização por danos morais a cada um dos dez trabalhadores.
Também se compromete a seguir as leis trabalhistas e assinar as carteiras de trabalho antes do deslocamento para o local de prestação de serviços em caso de contratação de mão de obra estrangeira. Os trabalhadores também vão receber as parcelas do seguro-desemprego especial destinado às vítimas de trabalho escravo.
Trabalho escravo no Brasil
A Lei Áurea aboliu a escravidão formal em maio de 1888, o que significou que o Estado brasileiro não mais reconhece que alguém seja dono de outra pessoa. Persistiram, contudo, situações que transformam pessoas em instrumentos descartáveis de trabalho, negando a elas sua liberdade e dignidade.
Desde a década de 1940, a legislação brasileira prevê a punição a esse crime. A essas formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea, condições análogas às de escravo.
De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).
Os mais de 65 mil trabalhadores resgatados estavam em fazendas de gado, soja, algodão, café, frutas, erva-mate, batatas, cebola, sisal, na derrubada de mata nativa, na produção de carvão para a siderurgia, na extração de caulim e de minérios, na construção civil, em oficinas de costura, em bordéis, entre outras atividades, como o trabalho doméstico.
No total, a pecuária bovina é a principal atividade econômica flagrada desde 1995. Números detalhados sobre as ações de combate ao trabalho escravo podem ser encontrados no Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil. Denúncias podem ser feitas de forma anônima pela Plataforma Ipê ou pelo Disque 100.