
Em matéria publicada pelo Estadão, o biólogo americano Philip Fearnside, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), criticou duramente o governo brasileiro diante da crise climática, em declaração feita às vésperas da COP-30, que será realizada no Brasil em novembro.
Reconhecido internacionalmente e vencedor do Prêmio Nobel da Paz em 2007, o pesquisador afirmou que o País não está liderando as negociações globais de redução de emissões e mantém posições contraditórias que ameaçam a preservação da Amazônia e o futuro do próprio território nacional.
Fearnside destacou que a floresta amazônica exerce papel crucial no equilíbrio climático mundial, reciclando a umidade que sustenta grandes centros urbanos e a produção agrícola brasileira. Ele lembrou que, na seca de 2014, São Paulo quase ficou sem água potável, e advertiu que a perda da floresta teria impactos irreversíveis.
Segundo estimativas científicas, o Brasil pode perder de 16% a 70% da Amazônia nas próximas décadas, cenário que agravaria crises hídricas, aumentaria eventos extremos como secas e enchentes e colocaria em risco a produção de alimentos.
O cientista também criticou os ministérios controlados pelo Centrão, que, segundo ele, caminham na contramão da agenda climática. Citou como exemplos a tentativa do Ministério dos Transportes de reativar a BR-319, cortando a floresta amazônica; o incentivo do Ministério da Agricultura à expansão da soja sobre áreas de pastagem; e os planos do Ministério de Minas e Energia de explorar petróleo na Foz do Amazonas.
Ele afirmou que tais medidas “encorajam invasões e desmatamento sem fim, até a última árvore”. Sobre a exploração de petróleo, Fearnside foi categórico: não há possibilidade de operação segura na região.
Ele comparou o risco ao desastre do Golfo do México em 2010, lembrando que a Foz do Amazonas tem o dobro da profundidade e correntes ainda mais fortes. Um eventual vazamento, segundo ele, poderia atingir até oito países. Além disso, criticou a falta de lógica econômica em abrir novos campos de exploração em meio à urgência global de reduzir o uso de combustíveis fósseis.

O pesquisador argumenta que o Brasil possui reservas suficientes em poços já existentes para suprir suas necessidades até a transição energética ser concluída. Ele classificou como “ficção” o discurso de que o País corre risco de ficar sem gasolina. Para Fearnside, a prioridade deveria ser o investimento em energias limpas, como a solar e a eólica, áreas em que o Brasil tem potencial de liderança mundial.
Na avaliação do biólogo, a insistência em ampliar áreas de soja e pastagens é outro motor do desmatamento. Ele rebateu o argumento de que ganhos de produtividade parariam a destruição: “Na economia, quando algo dá lucro, você faz mais, não menos. Se a soja dá mais retorno, a tendência é cortar ainda mais floresta.”
Além disso, apontou a atuação do crime organizado na Amazônia, sobretudo em regiões como Roraima, onde garimpeiros ilegais recebem apoio político local. O cientista também alertou para riscos pouco discutidos, como o aumento do nível do mar e a intensificação de tufões na costa brasileira, ameaçando milhões de pessoas que vivem em áreas litorâneas.
Ele ressaltou que o Brasil precisa adotar medidas urgentes para reduzir emissões e não pode esperar por mudanças na política internacional, citando a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris como exemplo da instabilidade no cenário global.
Para Fearnside, o governo brasileiro deveria assumir a dianteira do debate climático e liderar pelo exemplo, mas isso não tem ocorrido. Ele criticou a falta de unidade interna, afirmando que apenas o Ministério do Meio Ambiente atua de forma consistente, enquanto outras pastas seguem em direção oposta.
“O presidente vive em um espaço de desinformação, cercado por quem defende explorar petróleo e abrir estradas. Ele precisa acordar para a gravidade do que está em jogo”, disse.