O saldo político do tarifaço. Por Aldo Fornazieri

Atualizado em 18 de agosto de 2025 às 5:54
TRUMP E LULA

POR ALDO FORNAZIERI, professor da Escola de Sociologia e Política e autor de “Liderança e Poder”

O governo e o presidente Lula, até agora, auferiram poucos dividendos políticos do tarifaço decretado por Trump. O momento para obter esses ganhos parece ter chegado ao auge, entrando em um processo de estagnação e declínio. Pode até começar a reverter-se em perdas. É mais uma oportunidade que o governo, Lula e os partidos de esquerda desperdiçam por conta da ausência de inteligência estratégica e de comando político.

Duas pesquisas atestam a dificuldade encontrada pelo governo, pelos partidos e por Lula em obter ganhos políticos. Na última, o Datafolha mostra que 35% acham que Lula é culpado pelo tarifaço, 22% dizem que Jair Bolsonaro é o responsável, 17% indicam Eduardo Bolsonaro e 15% apontam Alexandre de Moraes. A soma de Jair e Eduardo Bolsonaro alcança 39% e a de Lula e Moraes, 50%.
Considere-se que os Bolsonaros fizeram o que fizeram, com Eduardo articulando o tarifaço a mando de Jair. Considere-se que a carta de Trump e outras manifestações suas deixam claro que o tarifaço também se deve ao julgamento do ex-presidente. Isso fica ainda mais evidente com a imposição de punições a Alexandre de Moraes. A conclusão é uma só: o governo, as esquerdas e Lula falham na estratégia, no discurso, na retórica e na comunicação.
No início de agosto, o Datafolha divulgou uma pesquisa sobre a avaliação do governo, mostrando também que o tarifaço não o favoreceu. O indicador “bom ou ótimo” subiu apenas um ponto, passando de 28% para 29% em relação à pesquisa de junho. O “ruim ou péssimo” ficou estacionado em 40%. E o “regular” oscilou de 31% para 29%.
Lula, no entanto, obteve vantagem em todos os cenários e sobre todos os outros candidatos na pesquisa de intenção de voto divulgada pelo Datafolha no início de agosto. A mudança foi discreta. Nesse ponto, o tarifaço pode ter provocado um efeito negativo sobre os possíveis candidatos bolsonaristas e de direita. De modo geral, eles se posicionaram mal em relação ao tarifaço, passando a impressão de que eram favoráveis.
O presidente dos EUA, Donald Trump, com Eduardo e Jair Bolsonaro, ambos em pé lado a lado
O presidente dos EUA, Donald Trump, com Eduardo e Jair Bolsonaro – Divulgação
Diante de fatos tão negativos para o bolsonarismo e a direita e, aparentemente, tão positivos para o governo e as esquerdas, é preciso perguntar-se sobre as razões que impedem ganhos políticos significativos em termos de avaliação da opinião pública. Um ponto que salta aos olhos é a falta de estratégia e de coerência no discurso governista sobre o tarifaço.
O presidente Lula, em um momento, afirma que quer dialogar e, em outro, diz que não vai se humilhar nem dialogar com Trump. Já Alckmin e Haddad se mostram pró-diálogo, mas falta uma estratégia retórica diante da recusa do governo Trump em dialogar.
Quem observa o governo a partir da planície não sabe o que ele quer nem para onde pretende ir. Lula se comporta mais como candidato do que como estadista, que tem a responsabilidade de resolver os desafios que o país enfrenta. As empresas afetadas, os trabalhadores dessas empresas e a população em geral querem soluções para o problema. Os governadores e deputados bolsonaristas conseguem explorar essas lacunas na estratégia política e retórica dos governistas, culpando-os.
A palavra mais usada na retórica governista é “soberania”. Mas quantas pessoas do povo e até das classes médias sabem o significado de “soberania”? O termo deveria ser o foco principal do discurso governista? O governo e sua comunicação fizeram pesquisas ou avaliaram o impacto desse discurso? Qual o efeito que ele produz na opinião pública? A impressão que passa é a de que o governo navega no escuro, age na espontaneidade, dispara sem alvo definido.
Esse é um problema recorrente no Lula 3: não há comando político, não há inteligência estratégica e a comunicação tropeça nela mesma. Os governistas deveriam abandonar o discurso formalista-abstrato em favor de uma retórica persuasiva, que tocasse os sentimentos e os afetos das pessoas, articulada com os valores comuns do povo brasileiro. Mas, repito: o governo aparece com a face de gente cansada, sem vigor, sem energia para agir, sem disposição para o combate.
Chega a ser impressionante como o bolsonarismo, mesmo com os fatos e a conjuntura contra ele, consegue inverter os termos da disputa política. De golpista, torna-se o paladino da luta pela democracia e pela liberdade contra uma suposta ditadura. De réu sentado no banco dos criminosos, procura tornar-se o juiz que coloca o tribunal (STF) e seus ministros no banco dos réus. De articulador e fomentador do tarifaço, consegue transformar Lula no principal culpado pelas medidas violentas de Trump contra o Brasil.
Muita gente deposita suas esperanças no cenário eleitoral de 2026 que começa a se desenhar. A divisão da direita, com duas ou três candidaturas, seria um trunfo até para uma possível vitória de Lula no primeiro turno. É uma avaliação enganosa. Tudo indica que a direita sairá dividida no primeiro turno. Bolsonaro e sua família vêm perdendo força política. A virulência com que Eduardo e Carlos atacam governadores de direita é sintoma disso.
Sem poder concorrer, em prisão domiciliar e com um julgamento pela frente, Bolsonaro se enfraquece na condição de condutor inconteste da direita. O radicalismo de Eduardo enfraquece ainda mais o clã. Os governadores, com cautela, ampliam seus espaços e constroem suas próprias estratégias, mas sem romper com o bolsonarismo, que ainda é a maior força eleitoral da direita.
Mas a pulverização de candidaturas não significa indício de que Lula possa vencer no primeiro turno. É preciso olhar para o horizonte político. O Brasil continua polarizado. Com o julgamento do golpismo, o tarifaço e a proximidade do ano eleitoral, a polarização se aprofundará. Lula estará sob ataque de todos no primeiro turno. Um candidato de direita emergirá como oponente de Lula no segundo turno e terá o apoio dos demais.
As eleições de 2026 tendem a ser mais polarizadas do que as de 2018 e 2022. Ingredientes internos e internacionais existem em abundância para alimentar essa combustão. Os governistas e os partidos de esquerda parecem não perceber essa realidade ou não cogitar essa conjuntura. Na política, negligenciar a realidade efetiva das coisas é o caminho mais curto para a ruína.