Para palestinos, reconhecimento da fome pela ONU veio ‘tarde demais’

Atualizado em 23 de agosto de 2025 às 17:56
A quantidade de ajuda internacional autorizada a entrar na Faixa de Gaza continua sendo considerada insuficiente pela ONU. © Hatem Khaled / Reuters

Imagens da AFP filmadas no sábado (23) mostram jovens desesperados estendendo seus recipientes para que sejam preenchidos. Gaza, ameaçada de destruição total por Israel caso o movimento islâmico Hamas não aceite um acordo de paz sob suas condições, vive uma situação extrema.

Em uma das cenas, um menino raspa com as mãos os últimos grãos de arroz grudados no fundo de uma panela. Um pouco mais adiante, sentada no chão à sombra, uma menina come com uma colher diretamente de um saco plástico.

“Não temos mais casa, nem comida, nem renda (…) somos obrigados a recorrer às cozinhas de caridade, mas elas não são suficientes para saciar nossa fome”, relata Youssef Hamad, de 58 anos, deslocado da cidade de Beit Hanoun, no norte da Faixa de Gaza.

Algumas dessas cozinhas são abastecidas por mesquitas ou organizações islâmicas locais. Outras recebem apoio de Ongs internacionais ou agências da ONU.

No início de março, o governo israelense impôs um bloqueio humanitário total à Faixa de Gaza, provocando as piores carências alimentares desde o início da guerra, desencadeada pelo ataque do Hamas contra Israel em 7 de outubro de 2023.

O bloqueio foi parcialmente flexibilizado no fim de maio, mas a quantidade de ajuda internacional autorizada a entrar continua sendo considerada amplamente insuficiente pela ONU e por organizações humanitárias, avaliação contestada por Israel.

“Dever moral”

Após meses de alertas, a ONU declarou oficialmente na sexta-feira que há fome em Gaza, atribuindo a responsabilidade a Israel, que rejeitou imediatamente a acusação, chamando a declaração de “mentira descarada”, segundo o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

Mas essa declaração chegou “tarde demais”, lamenta Oum Mohammad, de 34 anos, próxima a outra cozinha comunitária em Deir el-Balah, no centro da Faixa de Gaza. “Sem comida e água, as crianças (…) às vezes não conseguem se levantar, ficam tontas”, diz ela.

No sábado, o chefe da agência da ONU para refugiados palestinos (Unrwa) afirmou que “é hora de o governo israelense parar de negar a fome que provocou em Gaza”. “Todos que têm influência devem usá-la com determinação e senso de dever moral”, escreveu Philippe Lazzarini na rede X.

Netanyahu atribuiu as carências, que considera “temporárias”, aos “saques sistemáticos da ajuda” por parte do Hamas.

A Unrwa informou no sábado que seus armazéns na Jordânia e no Egito estão cheios e que há “alimentos, medicamentos e produtos de higiene suficientes para encher 6 mil caminhões”.

“O fim está próximo”

Enquanto isso, Israel continua bombardeando a Faixa de Gaza. Imagens mostram uma espessa fumaça sobre o bairro de Zeitoun, na cidade de Gaza, enquanto palestinos vasculham os escombros de prédios destruídos.

O porta-voz da Defesa Civil em Gaza, Mahmoud Bassal, descreveu a situação nos bairros de Sabra e Zeitoun como “absolutamente catastrófica”, mencionando “a destruição total de blocos residenciais inteiros”.

“Estamos presos aqui, vivendo com medo, sem ter para onde ir. Não há lugar seguro em Gaza. Mover-se agora é correr para a morte”, testemunha Ahmad Jundiyeh, de 35 anos, deslocado para a periferia norte de Zeitoun.

“Ouvimos sem parar os bombardeios (…) aviões de combate, tiros de artilharia e até explosões de drones”, conta ele à AFP por telefone. “Estamos aterrorizados, com a sensação de que o fim está próximo.”

Na sexta-feira, o ministro da Defesa de Israel, Israel Katz, ameaçou destruir a cidade de Gaza caso o Hamas não aceite se desarmar, libertar os reféns sequestrados em 7 de outubro e encerrar a guerra sob as condições impostas por Israel.

Originalmente publicado por RFI