
O dólar estadunidense encerrou o primeiro semestre de 2025 com o pior desempenho em mais de cinco décadas, acumulando uma desvalorização de 11% no U.S. Dollar Index, índice criado pelo Federal Reserve (Fed) que mede a força da moeda em relação a outras seis divisas: euro, iene japonês, libra esterlina, dólar canadense, krona sueco e franco suíço.
A queda, embora já registrada em momentos passados, ocorre agora em meio a um cenário de instabilidade política, econômica e geopolítica que aprofunda as dúvidas sobre o futuro da moeda que domina o comércio global desde a 2ª Guerra Mundial.
Um relatório do banco J.P. Morgan destacou que a fatia do dólar nas reservas cambiais globais recuou de mais de 70% no início dos anos 2000 para 57% em março de 2025, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). O espaço perdido tem sido preenchido, em parte, por ouro — que já responde por 9% das reservas em mercados emergentes, mais que o dobro de uma década atrás — e pelo renminbi chinês, que embora tenha dobrado sua participação em dez anos, ainda representa apenas 2% do total.
Além da queda nas reservas, cresce a tendência de diversificação no comércio internacional. A Rússia, alvo de sanções, passou a vender petróleo em moedas locais, permitindo que países como Índia, China e Brasil reduzam custos pagando em suas próprias divisas. Esse movimento contribui para reduzir a centralidade do dólar em transações de commodities, tradicionalmente cotadas em moeda estadunidense.
Outro fator relevante é a diminuição da participação estrangeira nos títulos do Tesouro dos Estados Unidos. Antes da crise de 2008, investidores externos detinham mais de 50% desses papéis; hoje, a fatia caiu para cerca de 30%.
Para especialistas, essa redução sinaliza cautela sobre a segurança dos ativos, especialmente após episódios de congelamento de reservas como ocorreu com a Rússia. “Onde estamos observando a desdolarização é nas reservas cambiais e na denominação monetária das transações de commodities”, afirmou Luis Oganes, chefe de Pesquisa Macro Global do J.P. Morgan.
As políticas econômicas de Donald Trump ampliam as incertezas. O presidente estadunidense lançou uma tarifa universal de 10% sobre importações, além de sobretaxas de 50% para países específicos, como o Brasil. As medidas geraram receios de desaceleração global e provocaram vendas de mais de US$ 63 bilhões em ações de empresas estadunidenses entre março e abril, segundo o Goldman Sachs.

Para Fernanda Brandão, do Mackenzie, “existe um movimento de desvalorização e de aumento da desconfiança no dólar que foi agravado pelo presidente Donald Trump e as suas políticas erráticas e imprevisíveis em relação à política comercial estadunidense”.
Outro ponto que preocupa investidores é a crescente dívida federal dos EUA, que chegou a US$ 35,46 trilhões em 2024, o equivalente a 123% do PIB. A expectativa de cortes de juros pelo Fed, pressionado pelo governo, também reduz o apelo do dólar. A disputa entre Trump e a autoridade monetária atingiu novo patamar com a tentativa do presidente de demitir a diretora Lisa Cook, medida contestada judicialmente por ser considerada inconstitucional.
O cenário de instabilidade reforça a busca por alternativas. O bloco Brics, expandido em 2024, discute a criação de uma moeda própria e já ampliou o uso de moedas locais nas transações internas.
Em julho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou: “Acho que o mundo precisa encontrar um jeito de que a nossa relação comercial não precise passar pelo dólar. Ninguém determinou que o dólar é a moeda padrão. Em que fórum foi determinado?”.
Ainda assim, muitos especialistas consideram prematuro falar no fim da hegemonia da moeda. “A afirmação de que estamos vivendo o começo do fim do dólar é prematura”, avaliou Robert McCauley, pesquisador da Universidade de Boston.