A eleição que pode mudar o cenário político na Argentina. Por Moisés Mendes

Atualizado em 7 de setembro de 2025 às 13:15
O presidente argentino Javier Milei. Foto: Reprodução/ Bloomberg

Acontece agora na província de Buenos Aires uma eleição decisiva para o que virá mais adiante no cenário político do país.

A província elege seus parlamentares (equivalentes aqui aos deputados estaduais), numa região dominada historicamente pelo peronismo.

O que acontecer hoje pode aprofundar a crise no governo corrupto de Javier Milei, ou pode adiar tudo para as eleições parlamentares nacionais de 27 de outubro (quando serão eleitos os equivalentes aqui a deputados federais e senadores).

Compartilho abaixo link de análise do ambiente argentina, por Leandro Renou, no Página 12:

Pela primeira vez em quase dois anos, o establishment começou a sentar-se com a oposição para conversar sobre política. A crise econômica e, sobretudo, o coima-gate aceleraram as interações com o bloco de governadores, dirigentes do PJ e Macri. O diagnóstico é que, aconteça o que acontecer nas eleições, a interna libertária e o ajuste transformaram Milei de “louco” que iludia em um mandatário que não controla as variáveis. Caputo está “cansado” e diz que “a estabilização está cumprida e agora a política deve assumir o comando”.

A política é cíclica e repete situações cada vez com maior velocidade. No fim do segundo ano de Mauricio Macri no governo, inclusive depois do triunfo nas legislativas de 2017, os empresários mais importantes do país começaram a retomar contatos com setores opositores. Naquele momento, surgiu essa inquietação típica de quem percebe que os projetos chegam a um gargalo, geralmente ligado a uma economia que começa a mostrar falhas sérias ou simplesmente se freia. O amor entre o poder econômico e o presidente “amarelo” começava a terminar.

Hoje, um ano e oito meses após assumir, parece estar acontecendo o mesmo com Javier Milei. As conversas do poder real, o establishment, com diferentes setores da oposição, surgem depois de um tempo prudencial de paciência (para os empresários), no qual se observou que o programa de ajuste não evoluiu para um cenário virtuoso de crescimento. Ao contrário, estagnou. Esse processo não está vinculado, sequer, a resultados eleitorais: é sinal de desgaste. Diferente de Macri, Milei enfrentou no caminho um escândalo de corrupção. Aqueles que até pouco tempo comparavam o Macri de 2017 ao Milei atual agora afirmam que o libertário está muito mais debilitado que o ex-presidente, com menos respaldo político e focos de incêndio em quase todas as frentes.

Além disso, o Presidente enfrenta outro revés, comentado nos últimos dias em encontros de banqueiros e industriais: aconteça o que acontecer nas votações, o desgaste da gestão política e econômica aponta para um futuro próximo muito negativo. Esse futuro convulsionado inclui ainda o debate interno sobre mudanças profundas na condução do Ministério da Fazenda.

Dois “aniversários” foram emblemáticos. Diante desse cenário, empresários conversam com governadores que se afastaram após apoiarem Milei no início, com três dirigentes importantes do peronismo e afins, e com todos que ofereçam uma leitura alternativa. Os mais conservadores voltaram a aproximar-se de Mauricio Macri e também do ex-prefeito portenho Horacio Rodríguez Larreta, muito requisitado.

Eles nem exigem um plano de governo, apenas um espaço catártico, um oásis para desabafar o que não podem dizer a Milei. Quase uma instância colaborativa de busca de transição para algum lugar que, para eles, definitivamente não é o atual. Tampouco sabem ainda qual será. “Conversamos sobre como veem a situação, que planos têm. Por enquanto, é apenas uma aproximação para entender sua visão”, disse ao Página/12 um dos vários que se reuniram com dirigentes.

Nesta semana houve dois eventos públicos que consagraram essa dinâmica, já presente em privado: a celebração dos 80 anos do Grupo Clarín reuniu empresários, políticos opositores e ninguém do governo Milei. Esse tipo de encontro se move, é verdade, em uma paleta sépia, com lógicas antigas e, em geral, dinâmicas perdedoras, mas servem para ilustrar climas e situações. Lá estavam governadores, Macri, Sergio Massa, dirigentes do peronismo e de outras forças políticas. Do governo, quase ninguém.

O outro evento foi a convenção da União Industrial (UIA) em Córdoba. Caputo foi convidado, mas preferiu não ir; enviaram o chefe de gabinete, Guillermo Francos, que não convenceu ninguém. Nesse cenário, houve um gesto direto: Martín Rappallini, presidente da UIA e um dos quadros de confiança da Techint, criticou o estatismo excessivo dos governos anteriores, mas cobrou de Milei juros mais baixos, uma economia menos aberta às importações e estímulos à atividade econômica. Até então, a UIA vinha afirmando que a macroeconomia resolvia tudo. Os tempos mudaram.

Nesse contexto, Milei corre com uma vantagem: a fragmentação opositora divide as alternativas que o enfrentam. Com Macri, as opções eram menos e mais diretas. E o peronismo vinha de um ciclo — o de Cristina Fernández de Kirchner — de economia esgotada, mas com indicadores que hoje seriam sonho para qualquer um. De todo modo, o movimento dos empresários não é irrelevante: trata-se de um processo veloz de mudança de paradigma, do Milei líder disruptivo e intransponível para um presidente debilitado em sua autoridade e com um programa econômico que não funciona, corroendo a confiança anterior. O escândalo das propinas na agência de Deficiência, além disso, adiciona mais combustível: foi o tema dominante em todos os eventos empresariais da última semana.

Caputo está “cansado”. O núcleo do descontentamento com o governo, além do caso das propinas, são as deficiências do programa econômico e, sobretudo, a percepção do Círculo Vermelho de que o oficialismo não reconhece a necessidade de uma mudança estrutural. Enquanto exigem suavização para ordenar, Milei promete mais ajuste.

Isso se combina com uma crescente disputa interna, cujo marco inicial foi o desmonte das LEFI. Isso quebrou o que antes era um bloco monolítico. Em conversas privadas, funcionários da Fazenda seguem atribuindo a responsabilidade a Milei por essa medida, e a equipe de Caputo entrou em estado catatônico. “O Presidente nos confirmou”, disseram esta semana em conversas informais com vários interlocutores. Essa frase era impensável há um mês ou dois: antes, diziam “falamos muito pouco com o Presidente, só sobre o pontual, ele nos dá liberdade de ação”.

Próximos a “Toto” asseguram que “ele está cansado, fez um grande esforço, o plano de estabilização já está feito, agora acredita que é hora de a política assumir”. Se dependesse dele, já teria saído. Por isso, Milei pediu que ele viajasse com ele a Los Angeles. Entre os dois circulou até uma piada fora de contexto: a Califórnia é a casa dos Lakers, o time da NBA que ambos admiram.

O clima na Fazenda é pesado, e o choque com os bancos agravou a situação. Dois banqueiros, um nacional e outro de uma entidade estrangeira, comentaram “as idas e vindas da política de Caputo”. E viralizou nos grupos de WhatsApp do setor a teoria de Pablo Quirno, secretário de Finanças, que convenceu Milei de que o banco chinês ICBC estava operando contra o governo, forçando a alta do dólar. Chegou a dizer que fazia parte de uma conspiração internacional do Oriente. Milei acreditou, porque a tese encaixava com a especulação de que russos e venezuelanos operavam com os áudios das propinas dos Milei e dos Menem. Meses atrás, em outra fase da corrida, já haviam culpado pelos mesmos movimentos os bancos Galicia, Provincia e Macro.

A irritação com os banqueiros, na realidade, é porque ao menos dois altos dirigentes defendem a volta do controle cambial após as eleições. A teoria é a mesma que alguns analistas de ponta, como o ex-PRO Carlos Melconian, também repassaram a seus clientes. Além disso, muitos consideram que é preciso oxigenar a Fazenda. A questão, como também acontece entre empresários da economia real, é que ninguém enxerga um substituto para Caputo capaz de mudar o rumo e restaurar a confiança. “Não há um perfil que acalme o cenário”, admitem.

No meio disso, ficou o Fundo Monetário Internacional (FMI). Nas últimas 48 horas, o organismo manteve silêncio, sem sequer confirmar o apoio que Quirno disse que haviam dado para operar com vendas de dólares do Tesouro. Fontes muito próximas ao organismo asseguraram que disseram a Caputo que não agitariam as águas até depois das eleições, mas a situação não os agrada. O FMI também exige mudanças na política monetária e cambial.

Será preciso esperar para ver.

Moisés Mendes
Moisés Mendes é jornalista em Porto Alegre, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim) - https://www.blogdomoisesmendes.com.br/