Sakamoto: Voto de Fux foi pífio juridicamente e usou ‘salame’ para ajudar Bolsonaro

Atualizado em 11 de setembro de 2025 às 10:04
Ronin Mauro Cid que, segundo Fux, tentou sozinho um golpe de Estado para manter Bolsonaro no poder – Foto: Reprodução

Por Leonardo Sakamoto, no UOL

O voto de Fux foi pífio juridicamente. E isso não tem a ver com a absolvição de acusados, pois todos os dias pessoas acusadas das coisas mais terríveis são absolvidas por problemas no julgamento, falta de provas ou convicção dos magistrados. Fux tem todo o direito de absolver quem ele queria, as questão é que ele deveria ter feito isso com garfo e faca, não com as mãos.

Vamos lá:

1) Não dá para chamar esse voto de garantista, isso tem outro nome, foi oportunismo. Quando se ignora a melhor dogmática penal, quando se ignora a prova dos autos, como ele fez, você não está sendo garantista, apenas usando o direito para alcançar um objetivo. Que, por conta disso, passa a ser ilegítimo.

2) Toda a literatura que o ministro traz não dá respaldo ao que defende. Em muitos momentos, fez um pastiche, torturando citações de juristas e cientistas políticos para que contribuíssem com sua narrativa. Por exemplo, a literatura que ele traz sobre o conceito de democracia não dá respaldo ao que ele falou. Defendeu que democracias não censuram opiniões diferentes, ignorando que não é a inexistência de ataques aos direitos fundamentais que define um regime democrático, mas como as instituições agem para salvaguardar esses direitos ou para punir quem os transgrediu.

3) O ministro pegou fatos isolados que foram narrados na acusação e, com eles, justificou que não há nada a ser punido porque aqueles fatos isoladamente não caracterizariam o crime. Mas não é isso o que está na acusação e não é assim que se julga um caso penal de um crime como esse. O julgador poderia ter avaliado se os fatos existiram ou não, contudo Fux não tentou rebater os fatos e não levantou uma contraprova da defesa, apenas interpretou da forma que lhe conviria.

Ele poderia avaliar se, concatenados, os fatos representam o cometimento do crime, mas como ele chegaria a uma conclusão inevitável que ele não queria, foi fatiando os fatos como um salame: ah, olha, uma live não é dar um golpe, ah, olha uma reunião não é dar golpe, o que foi uma coisa vergonhosa para professores de direito que assistiam à transmissão.

4) Fux passou meses condenando peixes pequenos por golpe de Estado sem se incomodar com a competência do STF para tanto. Agora que foi hora dos tubarões, ele mudou o entendimento. Tigrão com uns, gatinho com outros. A questão não é que ele é, um histórico punitivista (afinal, In Fux Lava Jato Trust) viu a luz. É, novamente, oportunismo.

5) A cereja do bolo, a pièce de résistance, foi uma das consequências de ter ignorado as provas: a condenação do faz-tudo de Jair Bolsonaro, Mauro Cid e a não condenação do próprio chefe, como se o tenente-coronel fosse um samurai que não tinha mais um mestre e vagava pela Brasília feudal de Jair. Cid, o Ronin.

Com isso, Fux não deu um presente para o bolsonarismo de 2027, caso vença as eleições na figura de um apadrinhado do ex-presidente e os ventos políticos mudem nas instituições. Pois não é que ele entregou o caminho para os advogados dos réus tentarem reverter a condenação de Jair e aliados no futuro, os advogados dos réus é que entregaram a Fux o caminho para ele ter influência num futuro governo de direita.

O ministro Luiz Fux, do STF – Foto: Reprodução

O que o ministro fez é um regalo para o bolsonarismo de hoje. Já está estimulando a extrema direita nas redes, nas ruas e no Congresso Nacional tanto para atacar o STF quanto para pressionar pela aprovação de uma anistia que beneficie Jair.

O bolsonarismo que acusava o Supremo de ser um instrumento partidário, veja só, refestela-se em um voto político e não jurídico.