O falso dilema traficantes X policiais só serviu para mostrar a cabeça oca de Fátima Bernardes. Por Sacramento

Atualizado em 24 de novembro de 2016 às 7:47
Fátima e um major passam um pano na polêmica
Fátima e um major passam um pano na polêmica

 

Fátima Bernardes teve a chance de levantar um debate condenando a ideia de que “bandido bom é bandido morto”, mas optou por colaborar com a confusão entre vingança e justiça que atinge grande parcela da população.

Para mitigar as críticas à enquete em que parte do público e de convidados do seu programa responderam que um traficante ferido gravemente precisa de atendimento prioritário em relação a um policial levemente ferido, a apresentadora convidou um oficial da Polícia Militar do Rio de Janeiro a quem prestou os devidos esclarecimentos.

“Em nenhum momento houve escolha pelo tráfico em detrimento do trabalho policial”, disse Fátima em uma espécie de pedido de desculpas, a despeito do fato de que os críticos sequer entenderam o teor da enquete.

O que ela disse na sequência foi esclarecedor.

“Nas redes me perguntavam ‘se fossem os seus filhos que estivessem num hospital, você preferiria que fossem atendidos sua filha, seu filho ou o policial?’. Não precisa nem colocar a família, se estivesse ali um policial e um traficante, eu Fátima, que no dia nem dei opinião, iria socorrer o policial, mas eu não sou médica, eu poderia fazer isso. E eu como mãe, eu como parente, conhecida, tenho pai militar, certamente escolheria quem está ao lado da lei para ser tratado. Mas assim como a questão médica, assim como o traficante tem direito a um advogado, e nem por isso nós vamos atacar o advogado que está defendendo o traficante nem atacar o médico que por questões profissionais optou por tratar quem está em maior risco de vida”.

Pela lógica da apresentadora, a obrigação de atender primeiro a vítima em pior estado de saúde cabe aos médicos apenas, “por questões profissionais”. Os demais cidadãos, por outro lado, têm o direito de socorrer um policial com o tornozelo torcido e deixar um traficante sangrando até morrer sem que isso lhes tire o sono.

A discussão que ela promoveu no programa exibido no dia 17 para divulgar um longa-metragem co-produzido pela Globo Filmes renderia um fértil debate neste momento polarizado, em que a violência urbana é vista como um embate entre mocinhos e bandidos.

O dilema entre salvar o policial e o traficante serviria para lembrar que acima de tudo se tratam de vidas humanas e cabe apenas à Justiça determinar quem é culpado ou inocente. Simples assim.

Exibida duas semanas após a revelação de que 57% da população acha que “bandido bom é bandido morto”, a edição do Encontro ajudaria ao menos a colocar uma pitada de humanidade na opinião pública contaminada pelo ódio.

O problema é a apresentadora. Pelo teor da conversa com o major da PMRJ, dá para supor que Fátima Bernardes está incluída entre aquela maioria fã do Paul Kersey, matador interpretado por Charles Bronson na franquia “Desejo de Matar”.

Marcos Sacramento
Marcos Sacramento, capixaba de Vitória, é jornalista. Goleiro mediano no tempo da faculdade, só piorou desde então. Orgulha-se de não saber bater pandeiro nem palmas para programas de TV ruins.