
A agenda impulsionada pelo presidente Donald Trump nos Estados Unidos, marcada pelo combate à diversidade e às políticas ESG, já começa a provocar efeitos no Brasil. Subsidiárias de gigantes como Meta, Google, IBM, Microsoft e Mastercard vêm recuando em ações afirmativas voltadas à população LGBTQIAP+, reduzindo até benefícios que eram oferecidos a pessoas trans. Com informaçoes do Uol.
O movimento conservador atravessou fronteiras e alcançou também companhias brasileiras, que, mesmo sem pressão direta de Washington, seguem a mesma linha de retrocesso.
Os impactos já aparecem em números. Dados da plataforma TransEmpregos, especializada em conectar empresas e trabalhadores trans, mostram que em 2024 mais de mil vagas foram abertas para esse público. Neste ano, entre janeiro e agosto, apenas 200 oportunidades foram registradas.
A previsão é que o total não ultrapasse 500 até dezembro de 2025. “Ao menos 15% das empresas brasileiras pesquisadas deram dois ou três passos para trás em relação às políticas que vinham fazendo até então”, afirmou Erika Vaz, diretora da consultoria To.Gather, que em julho apresentou estudo em parceria com o MIT envolvendo 305 companhias de diferentes setores.
O levantamento revelou ainda que apenas 1% dos funcionários das empresas analisadas se declara trans, enquanto apenas 0,2% ocupa cargos de chefia. O contraste é evidente diante de estimativas da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), que calcula em 4 a 6 milhões o número de pessoas trans no Brasil.
“O que está acontecendo é uma reação organizada”, disse a deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP). “Trump fez da diversidade e do ESG inimigos ideológicos, de vida. O mais grave é ver empresas brasileiras, que não sofrem pressão da matriz americana, recuando também.”
A pressão também atinge organizações empresariais. O Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, que reúne 158 companhias de grande porte, perdeu nomes de peso. “Google, Meta e Mastercard já deixaram o Fórum”, afirmou Reinaldo Bulgarelli, criador da entidade.
Ele explica que o crescimento era constante desde 2013, mas em 2023 o avanço parou diante do recuo global. Entre os benefícios que vinham sendo oferecidos e agora foram reduzidos estão apoio psicológico, retificação de documentos, cobertura de tratamentos hormonais e licença parental especial para casais homoafetivos.

Apesar do cenário negativo, há iniciativas que caminham na direção contrária. O Sintetel-SP, sindicato dos trabalhadores em telecomunicações, firmou acordo coletivo com a TIM que garante R\$ 10 mil para procedimentos médicos e estéticos de funcionários trans em transição de gênero. “Os call centers são amigáveis e porta de entrada para pessoas trans ao mercado de trabalho”, afirmou Mauro Cava de Britto, secretário-geral da entidade.
No setor de alimentação, a Arcos Dourados, operadora do McDonald’s no Brasil, mantém programas de inclusão. “Somos a porta de entrada para pessoas que vivem algum tipo de vulnerabilidade”, explicou Fábio Sant’Anna, diretor de Gente, Diversidade e Inclusão da empresa.
A funcionária Tiana Machado, 25, é exemplo: entrou em 2019 como atendente, iniciou sua transição de gênero e hoje é gerente de plantão, liderando até 16 pessoas. “Me senti acolhida, pois recebi crachá com o meu nome social, posso usar o banheiro feminino e nunca senti preconceito”, contou.
A PwC Brasil também mantém políticas internas específicas. O analista Matheus Vidal, 31, que é trans, relatou que a empresa oferece auxílio para hormonização, retificação de documentos e apoio em cirurgias. “Até coisas simples, como ir ao banheiro num bar, para nós, trans, é complicado. Temos que ir sempre em grupos de três, pois algo pode acontecer e temos que nos proteger”, afirmou.
Já Kaique Gollo, hoje no Instituto +Diversidade, relembrou episódios de transfobia em call centers, onde chegou a ser alvo de constrangimento ao usar o banheiro.
Histórias como a de Ryanna Polo, 24, que deixou o telemarketing para empreender na área de beleza e música, ou a da própria Erika Hilton, que trabalhou em call center antes da carreira política, reforçam como o mercado de trabalho continua excludente. “O mercado ainda trata pessoas trans como uma cota, não como parte natural da sociedade. Entrar já é difícil, permanecer é complicado e ascender é quase impossível”, disse Hilton.
Procurada, a Mastercard confirmou ter deixado o Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+, mas citou iniciativas próprias de diversidade. A Microsoft afirmou que seu “foco em inclusão e diversidade é inabalável”. Já Meta, Google e IBM não quiseram se pronunciar. O cenário, porém, mostra um recuo estrutural que ameaça conquistas recentes da comunidade trans e LGBTQIAP+ no Brasil.