Governo Lula vê com preocupação plano de Trump de classificar PCC como organização terrorista

Atualizado em 16 de setembro de 2025 às 8:08
Donald Trump

O debate sobre a possibilidade de o governo Donald Trump classificar facções criminosas brasileiras como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) voltou a ganhar força em Washington. A consultoria Eurasia Group incluiu essa hipótese entre as medidas que os Estados Unidos podem adotar em reação à condenação de Jair Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Segundo relatório obtido pela BBC News Brasil, essa não seria uma decisão imediata, mas pode avançar nos próximos meses. O presidente Trump já demonstrou disposição para retaliar o Brasil após o julgamento de Bolsonaro, citando o caso como “caça às bruxas” e anunciando uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros. Além disso, o ministro do STF Alexandre de Moraes já foi alvo de sanção sob a Lei Global Magnitsky.

O diretor para as Américas da Eurasia, Christopher Garman, afirmou que o grande desafio em classificar PCC e CV como terroristas é identificar suas conexões e apoiadores. “Dado o tamanho, a sofisticação e a entrada desses grupos no setor privado, não é fácil”, disse. Para ele, a probabilidade dessa decisão aumenta no horizonte de seis a oito meses.

O governo americano já incluiu na lista de terrorismo grupos como o cartel mexicano Jalisco Nueva Generación e o venezuelano Tren de Aragua. Trump vem reforçando a retórica de combate ao “narcoterrorismo” na América Latina, tanto para justificar operações militares quanto para dialogar com seu eleitorado doméstico. Nas últimas semanas, os EUA anunciaram ataques a embarcações vindas da Venezuela e deslocaram caças F-35 para Porto Rico.

No Brasil, o tema preocupa o Planalto. Em reuniões reservadas, diplomatas alertam que a classificação pode abrir caminho para operações militares americanas no Caribe e até criar constrangimentos em foros multilaterais. Em pronunciamento no Brics, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou a presença de forças armadas dos EUA na região. “O terrorismo não pode ser confundido com desafios de segurança pública. São fenômenos distintos e não devem servir de desculpa para intervenções à margem do direito internacional”, afirmou.

O governo brasileiro já rejeitou formalmente, em maio, um pedido de Washington para que o Brasil também designasse PCC e CV como terroristas. O argumento foi jurídico: a Lei Antiterrorismo de 2016 exige motivação ideológica, como xenofobia ou preconceito religioso, o que não se aplica a facções cujo objetivo é essencialmente econômico. Na visão do governo, tratá-las como terroristas enfraqueceria a soberania e abriria espaço para ingerência externa.

Para especialistas, o impasse tem implicações políticas. “Designar essas facções como terroristas significaria aceitar pressão externa e poderia gerar narrativas internas de submissão do governo brasileiro”, avalia Vitelio Brustolin, professor da Universidade Federal Fluminense e pesquisador de Harvard. Por outro lado, os EUA buscam ampliar sua presença militar e justificar medidas unilaterais contra a região.

O assassinato do ex-delegado-geral de São Paulo Ruy Ferraz Fontes, atribuído ao PCC, e a pressão americana por mais cooperação no combate ao narcotráfico podem acelerar esse debate. Mas, para Brasília, o risco maior está em transformar uma questão de segurança pública em arma de política externa, com impacto direto na relação entre Lula e Trump.