
No tempo em que os Estados Unidos eram dirigidos por homens que levavam em conta valores morais, o presidente Roosevelt definiu como “dia da infâmia” o ataque japonês, de surpresa, a Pearl Harbor, que determinou a entrada americana na Segunda Guerra. Hoje, brasileiros e brasileiras que respeitam princípios éticos podem chamar de “dia da infâmia” o 16 de setembro, dia em que o Congresso deu o primeiro passo para blindar parlamentares bandidos de investigação e punição pela Justiça.
É um acinte. Até aqui, via-se o Congresso como uma entidade inútil para defender os interesses do povo. Daqui em diante, ele pode ser visto também como uma entidade efetivamente danosa para o País e para o povo, na medida em que tenta garantir a si mesmo o direito de abrigar marginais entre suas paredes ou dar proteção ao próprio crime organizado com seus “serviços”. Este, através das milícias, rouba dos particulares, nas grandes cidades, serviços públicos prestados às famílias sob as piores condições materiais.
Era impensável que a situação moral da República chegasse tão longe. Já não há nenhuma instância da sociedade em que a população possa confiar, exceto uma estreita margem do Supremo Tribunal Federal – o qual, infelizmente, também tem suas fissuras. A Justiça, como um todo, está em grande parte corrompida, como mostra a sucessão de crimes imputados a juízes e desembargadores; este é também o caso do Executivo, especialmente em suas instâncias inferiores. O que sobra? Apenas, aparentemente, o Ministério Público e a Polícia Federal.
Esses órgãos são justamente aqueles contra os quais o projeto da “infâmia pretende” blindar parlamentares. Dezenas desses, atualmente, estão sob investigação determinada pelo ministro Flávio Dino, que vem encontrando há muito tempo indícios de irregularidades quanto a irrastreabilidade e superfaturamento em várias emendas parlamentares. As últimas são a favor de nove municípios, entre os quais o do Rio de Janeiro. Nas condições do “projeto da infâmia”, isso não poderia ser apurado, pois dependeria de autorização prévia do próprio Congresso.
Como o Brasil pode se livrar dos vermes que o infestam de corrupção desenfreada e atravancam seu próprio desenvolvimento econômico, na medida em que constituem uma espécie de leucemia que emperra a circulação do sangue e afeta o funcionamento financeiro da própria economia? O teste que vai se dar em 2.026, com eleições gerais, poderia ser um momento de mudança, mas os autores do “projeto da infâmia” já estão se blindando também contra as possibilidades de o povo identificar seus autores, através do não menos infame “voto secreto”.
Portanto, se esse lixo que vai para o Senado passar, e se o veto certo do Presidente da República não prevalecer, não saberemos sequer quem efetivamente votou a favor ou contra, e, portanto, não poderemos escolher entre eles. Além disso, o povo é desinformado o suficiente para não entender os processos parlamentares pelos quais estão sendo enganados. Com isso, e na falta de uma campanha nacional de identificação dos autores da “infâmia”, há poucas esperanças.

Algumas preliminares seriam importantes. Por exemplo, parlamentares dos partidos principais da base do Governo que votaram a favor do projeto, entre os quais 12 do PT no 1º turno, teriam obrigatoriamente de ser punidos com a expulsão. Isso por certo geraria polêmicas, mas, polêmicas, em geral, facilitam a discussão e são fontes de conhecimento. Pessoalmente, eu não teria qualquer dúvida em apontar como provável corrupto um parlamentar a favor do projeto cujo voto aberto estaria expondo seu telhado de vidro!
Os únicos partidos que votaram unanimemente contra o projeto foram o Novo, o PCdoB, o PSOL e a Rede Sustentabilidade. A favor, votaram de forma unânime o PL de Jair Bolsonaro (83 votos), o Republicanos (43) e o PRD (5). No total, foram 344 a favor e 133 votos contrários. Portanto, uma maioria por larga margem, mais que maioria absoluta de 2/3. E isso indica com clareza que, se não houver uma revolução política no próximo ano, continuaremos nas mãos de muitos bandidos no Congresso.
Entretanto, revoluções políticas não se fazem de um dia para outro. Seria necessária muita estratégia na política e na parte ética da sociedade para preparar a opinião pública para as eleições gerais de 2.026. Os nomes individuais dos parlamentares e de seus partidos favoráveis ao projeto precisam ser intensa e maciçamente divulgados, desde logo, via internet e por outros meios de comunicação. O bloco dos “éticos” deveria juntar seus recursos financeiros para financiar o marketing respectivo.
É fato que a blindagem não se limitou ao conteúdo asqueroso do “projeto da infâmia”. Estendeu-se também à adoção do voto secreto para esconder a identidade de marginais que não querem ficar expostos ao escrutínio da opinião pública. Não há maior confissão de culpa pela ação vergonhosa do que essa. Claro que, mediante uma criteriosa investigação jornalística, será possível identificar todo mundo que votou a favor ou contra, o que fundamentaria uma consistente campanha publicitária.
A sociedade tem que se mover, porém. Desde que, no governo Temer, uma estratégia da extrema direita de grande eficácia cortou pela base os recursos dos sindicatos dos trabalhadores e de suas centrais, eliminando o imposto sindical, as principais vértebras da sociedade civil ficaram debilitadas. As centrais, hoje, não têm praticamente nenhuma capacidade de mobilização. Aliás, foi justamente por isso que não se apresentaram em massa para defender a soberania nacional no 7 de setembro.
Os grupos identitários – mulheres, negros, homossexuais etc – não têm uma estrutura institucionalizada de captação de recursos e só se mobilizam quando puxados por uma força superior, como a dos próprios partidos políticos. Estes têm vastos recursos originários do Estado (Fundo Partidário e Fundo Eleitoral), aprovados por eles mesmos, e em geral distribuídos proporcionalmente ao número de deputados e senadores. Portanto, a sociedade civil fica a reboque desses partidos no que se refere à mobilização.
Deputados e senadores contam, além disso, com os diferentes tipos de emendas parlamentares que eles mesmos estabelecem e votam, das quais fluem recursos limpos ou sujos para suas campanhas. Assim, eles tendem a se perpetuar no poder, à custa do próprio Estado, enquanto a sociedade fica inerte diante das traições que cometem contra o interesse público. Veja-se, por exemplo, o que está fazendo o deputado Eduardo Bolsonaro: foi para os EUA conspirar contra o Brasil, abertamente, e já estão inventando uma fórmula para que não perca o mandato por faltas!
Tudo isso é muito próximo de uma ditadura parlamentar apoiada na oligarquia financeira e do agronegócio. O Presidente tem uma margem estreitíssima do orçamento público para administrar, pois a direita e a extrema direita criaram tremendas amarras legais para evitar que o interesse público prevaleça sobre os interesses do capital financeiro especulativo e dos rentistas. Por fim, temos um Conselho Monetário Nacional inepto, covarde e subserviente às classes dominantes, que mantém Lula prisioneiro de um círculo neoliberal sufocante.