
Originalmente publicado em O Cafezinho
A direita golpista entregou de bandeja para Lula a narrativa de 2026. Em 2022 a disputa era democracia contra o extremismo autoritário de Bolsonaro. Agora a bandeira democrática é ainda mais importante, porque não lutamos apenas contra um grupo autoritário, mas contra um grupo criminoso, condenado por tentativa de golpe de Estado.
É muito mais forte, tem muito mais apelo, as imagens são muito mais poderosas. Ter um inimigo comum, um vilão assim, ajuda a coesionar qualquer movimento. Mas além disso, há duas novas bandeiras igualmente poderosas: a defesa da nossa soberania e a independência do Poder Judiciário.
No mesmo dia em que pesquisas mostraram Lula com boa aprovação popular — em uma delas, a Atlas Intel, alcançando 51% — e ampla rejeição ao projeto de anistia, a Câmara aprovou a urgência do Projeto de Lei 2162/23, que trata da anistia aos condenados pelos atos de 8 de janeiro de 2023. Foram 311 votos a favor, 163 contra e 7 abstenções.
Os defensores do projeto falam em pacificação, mas o gesto revela mais desespero do que estratégia. O país vive uma fase positiva, com resultados econômicos consistentes e ambiente de negócios em expansão. O governo chega fortalecido também no cenário internacional: Lula se prepara para discursar na abertura da 80ª Assembleia Geral da ONU, em 23 de setembro de 2025, onde deve se consolidar como uma das maiores lideranças globais em defesa da democracia, dos direitos humanos, do multilateralismo e, sobretudo, do respeito mútuo entre as nações — o oposto da agenda hostil que Donald Trump tenta impor a partir da Casa Branca.
A aprovação da urgência da anistia tem efeito contrário ao pretendido pela oposição: obriga o campo democrático a se reorganizar e exercitar seus músculos. Mesmo atritos recentes, como a votação da PEC da blindagem — que gerou desconforto porque parlamentares do PT, PSB e PDT apoiaram a proposta —, empalidecem diante da necessidade de criar um amplo movimento de defesa da democracia, da soberania e das instituições.

O empresariado, desta vez, não está naquela situação de desespero que o leva a apoiar aventuras golpistas. Diferentemente de 2016, quando havia crise generalizada e quase consenso contra Dilma Rousseff, hoje o Brasil oferece oportunidades reais de crescimento, e parte da elite econômica reconhece que isso se deve ao governo Lula. Não há unanimidade, mas tampouco existe bloqueio em bloco contra o presidente. Uma fatia importante do setor privado dificilmente se disporá a mergulhar o país novamente no caos político.
A alegria da direita nesta quarta-feira terá vida curta. A aprovação da urgência ainda enfrentará um caminho difícil: dentro da própria Câmara haverá críticas, o texto seguirá para o Senado — onde a força bolsonarista é menor — e, mesmo que avance, acabará nas mãos de Lula, que deverá vetar com forte apoio popular. Se o veto presidencial for derrubado, o STF provavelmente vai intervir, se é que não o fará antes, também com respaldo na opinião pública.
Em qualquer cenário, o bolsonarismo sai derrotado. Nesse processo, abre-se espaço para a mobilização do campo democrático. Diferente de 2016, quando a economia ia mal e Dilma Rousseff tinha baixa popularidade, agora as condições são outras: Lula mantém forte apoio popular, o país vive um momento de crescimento e houve uma grande expansão dos programas sociais. Isso torna muito mais fácil reunir gente nas ruas.
O PL 2162/23 não pacifica o país. Ele escancara a distância entre o radicalismo bolsonarista e o desejo da sociedade de viver em paz, com estabilidade e democracia. A direita que acreditou estar exibindo força, na verdade, cavou a própria derrota.