Sakamoto: PEC da Blindagem e Anistia testam se eleitores são otários

Atualizado em 21 de setembro de 2025 às 14:01
Manifestante nas ruas esta semana contra a PEC da Blindagem. Foto: Reprodução/ Sergipe Notícias

Por Leonardo Sakamoto

Publicado originalmente no Uol

É uma maldade terrível acusar os deputados e senadores de legislarem em causa própria analisando medidas que impedem que sejam processados e presos por crimes que cometam, como desvios de emendas, trabalho escravo ou golpe de Estado. Na verdade, o Congresso está fazendo um grande experimento científico para confirmar ou refutar a seguinte hipótese: os eleitores são otários.

Nem bem o país dava uma demonstração de maturidade política ao condenar um ex-presidente e generais que tentaram abolir de forma violenta o Estado democrático de direito e a Câmara dos Deputados entrou de sola na discussão sobre um projeto de lei que poderia anular os efeitos da decisão. No meio do tumulto, deputados que têm ou sabem que terão problemas com a Justiça patrocinaram uma mudança para inserir a impunidade por seus crimes na Constituição.

São duas faces da mesma moeda com o único objetivo: proteger os seus bandidos.

Os parlamentares acreditam que o eleitorado não se importa se eles roubam, escravizam ou tentam transformar a democracia em geleia desde que, a cada quatro anos, apareça uma nova quadra de futebol na comunidade (mesmo que sem projetos sociais para os jovens), uma estrada vicinal torne-se asfaltada (mesmo que ligue o haras do deputado à rodovia), kits de robótica sejam distribuídos a escolas (mesmo que estas não tenham água nem luz) e dentaduras estejam à disposição (mesmo que não exista dentista no posto de saúde).

Também creem que o eleitorado não vai se importar se eles atrasam a aprovação da isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, que beneficiaria mais de 10 milhões de pessoas da classe média baixa, como chantagem para aprovar os outros dois projetos.

O Presidente da Câmara Hugo Motta e o deputado líder do PL, Sóstenes Cavalcanti. Foto: Lula Marques/Agência Brasil

Não que o eleitorado seja conivente ou burro, longe disso. O povo entende que há muitos deputados e senadores safados, que transformam grana pública em coquetel de camarão. Mas, dada a carestia, aceitam algumas melhorias vindas da transferência de emendas parlamentares, mesmo sabendo que são migalhas. Perderam a esperança de um representante decente, que tenha projetos, recursos e honestidade, então aceitam que a vida é isso.

E para não ficar sem isso, reelegem os mesmos parlamentares. Até porque, o município vizinho votou no outro deputado, aquele que perdeu a eleição, e hoje vive à míngua, sem repasses.

Se, do lado do povo, há um cálculo político, do lado dos parlamentares, existe a percepção de que esse povo é otário. Não porque aceita migalhas, mas porque poderia se mobilizar e mudar por meio da pressão popular e do voto esse sistema. Mas não faz isso porque não acredita na força da própria mobilização ou está cansado de dar murro em ponta de faca.

Se a PEC da Blindagem e o PL da Anistia (chamar de PL da Dosimetria é como jogar purpurina em cima de cocô: mesmo que brilhe diferente, continuará fedendo) passarem e o Congresso não tiver uma alta taxa de renovação em outubro de 2026, deputados e senadores terão a resposta para o seu experimento.