A PEC da Bandidagem e a retomada da militância. Por Aldo Fornazieri

Atualizado em 21 de setembro de 2025 às 23:54
Ato na Avenida Paulista. Imagem: reprodução

POR ALDO FORNAZIERI, professor da Escola de Sociologia e Política e autor de “Liderança e Poder”

Os últimos dias foram como que uma montanha russa política, cheios de altos e baixos para o governo e para a oposição. Poucos dias após a condenação de Bolsonaro e do comando golpista, a extrema-direita bolsonarista e a direita do centrão buscaram reverter o jogo e impuseram duas derrotas ao governo e às esquerdas no Congresso. Aprovaram a urgência do projeto de anistia e a PEC da bandidagem na Câmara, com significativa margem de votos

Dois outros fatos agravaram essas derrotas do governismo: a pesquisa da Quaest, que mostra um quadro de estabilidade em relação à pesquisa anterior na avaliação do governo e nas intenções de voto, e o fato de que 12 deputados do PT votaram na PEC da bandidagem. Quanto à pesquisa, o governo precisa avaliar as razões que o mantém estagnado nas avaliações populares, mesmo com a deterioração do bolsonarismo e o desastroso tarifaço de Trump.

Na Quaest, o governo é aprovado por 46% e desaprovado por 51%. No Datafolha, a avaliação de bom ou ótimo subiu de 29% para 33% e a avaliação de ruim ou péssimo está 38%. Nas duas pesquisas, os números não são confortáveis.

Mas, a medida em que a semana passada chegava ao seu final, aquilo que pareciam vitórias da oposição foram se transformando em derrotas. Houve uma forte reação da opinião pública contra a chamada PEC da Blindagem que foi imediatamente chamada de PEC da Bandidagem. Ao conceder ampla proteção aos parlamentares contra processos judiciais para qualquer tipo de acusação, incluindo os presidentes dos partidos, e ao estabelecer o voto secreto para autorização de processos, a PEC provocou uma forte reação da sociedade, de especialistas e, inclusive, do Senado. Estabeleceu-se amplo consenso de que ela abre as portas para que o crime organizado encontre abrigo e proteção na política.

Os argumentos de que, na sua origem, a Constituição de 1988 continha esses mecanismos de proteção parlamentar e de que agora seriam restabelecidos, não são legítimos. É preciso considerar os contextos históricos diferentes.

Se a democracia é sempre uma obra inacabada, o sentido de seu aperfeiçoamento deve ser o do aumento da transparência e dos controles populares sobre a atividade política. Retroagir, seria uma péssima escolha, pois significa ir no sentido de um retrocesso e de anulação de avanços democráticos que ocorreram desde então. Para salvar seus interesses, a prática corrupta do orçamento secreto e outros crimes, o bolsonarismo e o centrão não titubearam em abrigar os interesses do crime organizado na PEC.

Tanto a direção do PT quanto a articulação política do governo tiveram uma conduta duvidosa na última semana, nas votações da Câmara. As informações de bastidor dizem que o PT e a articulação política fizeram um acordo com Hugo Motta e o centrão, implicando que os petistas dariam votos necessários para aprovar a PEC em troca da não aprovação da urgência do projeto da anistia.

Se a negociação correu, foi um péssimo negócio. Os governistas pagaram de otários. É inaceitável que 12 deputados do PT tenham votado na PEC. O PT precisa dar uma explicação à opinião pública. O partido e a articulação política do governo precisam repensar suas desastrosas atuações, os seus vacilos e falta de orientação e comando político.

A partir de quinta-feira o bombardeio contra a PEC e o projeto de anistia se intensificou nas redes sociais, na mídia e nos espaços de debate público. Artistas e, principalmente, a militância, abraçaram a convocação dos atos. Quem acompanhou as redes sociais percebeu que as convocações da militância foram, em grande parte, espontâneas, a partir da criação de posts próprios. Foi essa corrente espontânea de opinião pública que permitiu que acontecesse aquilo que os partidos não eram capazes de fazer: gerar uma indignação aguda capaz de atrair um grande número de pessoas para os atos de domingo.

Caetano e Gilberto Gil durante ato. Imagem: reprodução

Pela primeira vez, desde 2013, o campo progressista e as esquerdas conseguiram uma retomada vitoriosa das ruas. Esses atos e a indignação popular têm força suficiente para derrotar a PEC da Bandidagem. Quanto ao projeto de anistia, ele não terá o formato de um perdão amplo e irrestrito como querem os bolsonaristas e setores de direita. Terão que contentar-se com um projeto de redução de penas, mas não do tamanho que vinha sendo proposto pelo centrão.

Note-se que é praticamente impossível reduzir as penas para o crime de “organização criminosa”. Isto beneficiaria os integrantes do PCC, do Comando Vermelho e de outros grupos do crime organizado. A associação entre bolsonaristas e centrão com o crime organizado ficaria ainda mais evidente.

Este é um momento decisivo para impor um limite à ousadia criminosa da extrema-direita e ao bolsonarismo, que além de atentar contra a democracia e o Estado de Direito, não aceitam se submeter às leis e a Constituição ao não aceitar as decisões judiciais. Além disso, para atender os seus desígnios corruptos e antinacionais escancaram as portas para a entrada do crime organizado na política e querem mudar leis para beneficiar os golpistas e integrantes das organizações criminosas.

A conjuntura é favorável para que se imponha uma derrota política significativa ao bolsonarismo e à direita, reduzindo sua força nas eleições de 2026. Mas para que esse objetivo seja alcançado são necessárias algumas condições e ações eficazes. O governo precisa melhorar o seu desempenho político. Continua padecendo de um comando político e de uma articulação eficaz. O discurso de Lula tem encontrado dificuldade em dialogar com eleitores de centro.

O PT, que tem uma nova direção, precisa sair da pasmaceira e da desorientação. É indefensável que um número significativo de deputados tenham votado na PEC da Bandidagem. Se o governo e o PT não arrumarem suas casas, a aprovação do projeto de aumento da isenção do imposto de renda, crucial para as eleições do próximo ano, enfrentará dificuldades.

O despertar da militância deve manter alto o fogo da luta política nas redes e no debate público. E a militância deve estar sempre pronta para dar respostas incisivas nas ruas, como ocorreu no último domingo. A militância percebeu que a tarefa de derrotar o bolsonarismo e a direita depende dela. Depende dela também pressionar o governo e os partidos de esquerda para que assumam posicionamentos mais combativos na disputa política.

A direita vem oferecendo várias oportunidades para que o governo e as esquerdas lhes imponham derrotas políticas. Essas oportunidades são desperdiçadas. A direita não pode continuar transformando derrotas em vitórias e as vitórias da democracia em derrotas. É necessário colocar um ponto final disso. Esta é a tarefa principal que o despertar da militância precisa assumir.