
Por Leonardo Sakamoto, no UOL
Os eleitores terão hoje rara oportunidade para checar se alguém merece seu voto ou o seu desprezo e esquecimento. Será analisada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal a PEC da Blindagem, aquela aberração que dificulta parlamentares serem processados ou presos por crimes que tenham cometido. A proposta facilita não apenas a vida de políticos que se tornem bandidos, mas também a de bandidos que se tornem políticos.
Na Câmara dos Deputados, essa oportunidade já foi dada na semana passada, quando a matéria foi aprovada por 353 votos a favor e 134 contra. Com isso, o eleitorado ganhou um bom guia para auxiliá-lo nas eleições do ano que vem. Quem conta que o tempo apaga tudo esquece que a imprensa existe também como memória coletiva do tempo presente. Portanto, não seremos levianos e nos omitir dessa tarefa em 2026.
O relator da proposta na CCJ, senador Alessandro Vieira, descascou a ideia, pedindo que ela seja considerada inconstitucional, enterrando-a na própria comissão sem ir a plenário. Reforçou que a Constituição Federal já protege parlamentares de declarações dadas no exercício de seu mandato, então qualquer movimento nesse sentido é para proteger o bandido.
Após as enormes manifestações em todo Brasil contra PEC da Blindagem e o PL da Anistia, e o tsunami de críticas nas redes sociais aos deputados que aprovaram a medida, muitos senadores que votariam a favor dela, desistiram. Tentar ficar impune por desvios de emendas e tentativa de golpe de Estado não vale o risco.
Como já disse aqui, o trâmite tanto da PEC da Blindagem quanto do PL da Anistia são testes do Congresso Nacional para verificar se o eleitor é otário.
Nem bem o país dava uma demonstração de maturidade política ao condenar um ex-presidente e generais que tentaram abolir de forma violenta o Estado democrático de direito e a Câmara entrou de sola na discussão sobre um projeto de lei que pode anular ou atenuar os efeitos da decisão. No meio do tumulto, deputados que têm ou sabem que terão problemas com a Justiça patrocinaram uma mudança para inserir a impunidade por seus crimes na Constituição.

É um grande acordão para proteger quem cometeu crimes: o bolsonarismo lava os pés do centrão e o centrão faz massagens nas costas do bolsonarismo.
Os parlamentares apostam que o eleitorado não se importa se eles roubam desde que, a cada quatro anos, apareça uma nova quadra de futebol na comunidade (mesmo que sem projetos sociais para os jovens), uma estrada vicinal torne-se asfaltada (mesmo que ligue o haras do deputado à rodovia), kits de robótica sejam distribuídos a escolas (mesmo que estas não tenham água nem luz) e dentaduras estejam à disposição (mesmo que não exista dentista no posto de saúde).
A questão é que parlamentares esqueceram que as ruas e as redes também podem ser ocupadas por pautas de interesse público, e não apenas por grupos que atacam o STF, chancelam golpe de Estado e agitam bandeirão dos Estados Unidos.
Há parlamentar que reclama que publicizar resultados de votação é terrorismo, uma tentativa de intimidar quem votou de acordo com sua consciência. Considerando que a transparência é um dos pilares de um governo democrático e republicano, quanto mais soubermos como trabalham nossos representantes políticos, melhor será a decisão no solitário momento da urna eletrônica.
Mas, no parlamento, transparência é mais temida que doença venérea. Tanto que rolou um tremendo esforço para que, caso aprovada a PEC, o voto para proteger o parlamentar de ser preso ou processado ser secreto. A ver hoje quem, conscientemente, dá banana à sociedade.