
De jovens promessas das categorias de base a atletas consagrados com passagem pela Seleção Brasileira, o futebol profissional se tornou alvo de um esquema sofisticado de lavagem de dinheiro do Primeiro Comando da Capital (PCC). Investigações da Polícia Federal, Polícia Civil e Ministério Público de São Paulo apontam que integrantes endinheirados da facção criminosa utilizavam empresas de agenciamento de jogadores para dar aparência legal aos milhões obtidos com o tráfico de cocaína.
De acordo com a matéria de André Caramante, do Lance!, que teve acesso ao inquérito, contratos de representação e comissões de transferência seriam o mecanismo para lavar o lucro do crime.
O ponto de virada nas investigações ocorreu com as execuções do narcotraficante Anselmo Becheli Santa Fausta, conhecido como “Cara Preta”, e de seu braço direito, Antonio Corona Neto, o “Sem Sangue”, em 27 de dezembro de 2021, no Tatuapé, zona leste de São Paulo.
Anselmo atuava como um “broker” (intermediário) de alto nível, coordenando a logística de grandes carregamentos de cocaína desde os países produtores até a Europa e África via Porto de Santos. Com o lucro milionário, a dupla montou métodos de lavagem, incluindo a empresa Feerthi Evolution Esportes Ltda., de nome fantasia Promoesporte Brasil.
A Polícia Civil constatou que Sem Sangue era sócio também da Aqua Fish Comércio de Peixes, combinação de ramos distintos que acendeu o alerta para um “possível esquema para a lavagem do dinheiro obtido através do tráfico de drogas”, nas palavras do delegado Murilo Fonseca Roque.

As mortes de Cara Preta e Sem Sangue, ordenadas segundo a polícia pelo empresário Antônio Vinícius Lopes Gritzbach – apontado como responsável por movimentar e aplicar o dinheiro de Anselmo, inclusive convertendo R$ 200 milhões em criptomoedas – desencadearam uma guerra interna no PCC.
O executor, o ex-detento Noé Alves Shaun, foi localizado, assassinado e decapitado, com a cabeça deixada próximo ao local do duplo homicídio como um recado. A investigação paralela da facção levou até um agente penitenciário e, finalmente, a Gritzbach, que foi sequestrado em janeiro de 2022 por Rafael Maeda Pires (“Japa”) e Danilo Lima de Oliveira (“Tripa”), integrantes do PCC investigados por lavagem no futebol.
Gritzbach foi submetido a um “tribunal do crime” que durou nove horas em uma casa usada como alojamento para jovens jogadores. Após ameaças de esquartejamento, ele foi “absolvido” pela facção, mas obrigado a ressarcir R$ 27 milhões e a devolver o restante dos R$ 200 milhões, passando a viver sob monitoramento do PCC e de policiais civis corruptos, chamados pelos investigadores de “outro PCC”. Gritzbach foi morto a tiros de fuzil no aeroporto de Guarulhos em novembro de 2024, em um crime atribuído a outro membro do PCC, Emilio Carlos Gongorra Castilho (“Cigarreira”), que participou do sequestro e está foragido.
Antes de ser executado, Gritzbach decidiu delatar os esquemas de lavagem. Seus depoimentos, entre fevereiro e setembro de 2024, direcionaram as autoridades para o agenciamento de jogadores. Danilo “Tripa” e sua empresa, a Lion Soccer Sports, surgiram como peças-chave.
Tripa, amigo de infância de Anselmo Cara Preta, apareceu publicamente ao lado de astros como o lateral Emerson Royal em sua apresentação no Barcelona, em 2021.
Na ocasião, ele declarou à imprensa: “Buscamos enxergar o atleta como alguém que precisa de todo suporte para poder entregar o resultado do esporte em alto rendimento. Hoje em dia um menino de 10 anos já tem acompanhamento profissional, e a família precisa confiar em quem está tomando conta do seu filho. Temos esse cuidado, porque, somente desse jeito teremos novos Emerson Royal e Eder Militão”.
Tripa também foi fotografado com o zagueiro Murillo, do Nottingham Forest, outro agenciado pela Lion Soccer, que representa nomes como Ramon (ex-Flamengo), Guilherme Biro (ex-Corinthians) e Matheus Araújo (ex-Corinthians).
A investigação também alcançou a UJ Football Talent, do ex-jogador Ulysses Jorge, agência de estrelas como Éder Militão (Real Madrid) e Emerson Royal. Relatórios apontam que a empresa recebeu recursos desviados do contrato de patrocínio da Vai de Bet com o Corinthians, avaliado em R$ 360 milhões.
Ulysses Jorge agora é réu por lavagem de dinheiro. A FFP Agency é outra empresa no centro do esquema. Mensagens de WhatsApp mostram que Rafael “Japa”, sócio oculto da agência apontado como integrante do PCC, endossava negociações validadas pelo “crivo técnico” de Danilo Gabriel de Andrade, então treinador da base do Corinthians.
Jogadores como Du Queiroz e Igor Formiga foram agenciados pela FFP. Rafael Japa foi encontrado morto em maio de 2023. Até o momento, não há indícios de que os atletas citados tivessem conhecimento das ligações criminosas de suas agências.