
O assessor especial de Lula para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, disse o que era previsível que dissesse sobre a possibilidade de um encontro de Lula com Trump.
“Eles não enganam Lula”, disse Amorim em entrevista ao jornalista Jamil Chade, do UOL. E depois acrescentou que o importante é entender o gesto como a possibilidade de começo da distensão.
Um diplomata não diria outra coisa. Nunca falaria sobre a possibilidade de o encontro ser uma arapuca. Mas Amorim poderia dizer que não há no Brasil – e talvez não exista no mundo – ninguém habilitado a dar lições sobre negociação a Lula.
Ninguém negociou mais no Brasil, desde os anos 70 da ditadura, do que Lula. Então, é uma bobagem o que se escreve com alertas para Lula sobre o que pode acontecer numa conversa com um gângster.
Lula é do tempo em que os sindicalistas enfrentavam todo tipo de armadilha preparada pelos patrões acumpliciados com os ditadores. Desde as rodas de conversa dos anos 70 em que se sentavam, nas sedes das entidades patronais, em cadeiras com uma perna mais curta, ou com as quatro pernas cortadas, para que ficassem mais baixas e os deixassem em situação de inferioridade.
Tentavam desconcentrar os sindicalistas de todas as formas. Era preciso fazer com que percebessem que estavam sendo inferiorizados. A tentativa de humilhação era explícita: nós vamos tratá-los como inferiores.
Então, Lula sabe desde aquele tempo o que é negociar com quem às vezes não quer negociação alguma. Mas é preciso dizer que, mesmo assim, há disposição para um acordo, ou as situações continuariam sempre inalteradas.
Lula se dispõe a falar com Trump sabendo que tudo pode acontecer e que, se houver armadilhas, os truques irão muito além da cadeira com as pernas mais curtas. O fascismo se aperfeiçoou, mas nem tanto.
Trump humilhou os presidentes da Ucrânia e da África do Sul à moda antiga, com os dois sentados à sua frente. Mesmo que não seja um Zelensky, Lula sabe que Trump não pode sair de uma conversa como alguém que perdeu o que não poderia ter perdido.
🚨URGENTE – Trump e Zelensky brigam dentro do Salão Oval, na frente das câmeras!
“Você não está na posição de ditar o que vamos ou não sentir (…) Você não tem as cartas agora”, disse Trump.
“Não estou aqui para jogar cartas”, responde Zelensky. pic.twitter.com/t5YtLiwXz9
— SPACE LIBERDADE (@NewsLiberdade) February 28, 2025
Trump precisa sair de qualquer encontro como um ser superior, não só para consumo externo, mas principalmente para manter a imagem de poderoso junto à extrema-direita americana.
Então, quando Amorim diz que Lula não será enganado, o que ele antecipa é que não se repetirá com Lula o que Trump fez até mesmo com Putin, quando acenou que havia o que oferecer para o fim da guerra e, no fim, não ofereceu nada.
Trump pode ter reservado para Lula uma jogada ainda não testada com nenhum outro interlocutor, nem mesmo com os líderes europeus que ele também humilhou ao impor seu modelo de ‘paz’ em reunião na Casa Branca em agosto.
O que Lula e o Brasil podem ganhar num encontro com Trump? Distensionamento das relações, mas em que sentido? Com uma trégua nas ameaças ao Brasil?
Com a redução das represálias a ministros do Supremo e a autoridades brasileiras? Com a concessão de cortes em tarifas de alguns produtos brasileiros?
Lula e Amorim não podem dizer que não apostam no encontro, mas o que eles gostariam de dizer mesmo é que aceitaram o jogo de que há química entre Trump e Lula porque não há o que fazer. A cadeira com a perna curta, na sua versão neofascista, está à espera de Lula.