VÍDEO: Barroso diz que cogita sair do STF e fala de voto pela prisão de Lula

Atualizado em 28 de setembro de 2025 às 7:16
Ministro Barroso em entrevista à Folha. Foto: reprodução

Às vésperas de deixar a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luís Roberto Barroso disse, em uma emocionada entrevista à Folha de S.Paulo, que votou “com dor no coração” no processo que culminou na prisão do presidente Lula (PT), ressaltando que até aquele momento não se havia conhecimento das irregularidades cometidas pelo então juiz Sergio Moro e toda a Operação Lava Jato:

Por que o senhor anda chorando tanto?

Eu fiquei emotivo três vezes pelo mesmo episódio, quando relatei que fui a Roraima, neste mês, visitar a Operação Acolhida [de imigrantes venezuelanos]. Lá, um senhor de 80 anos, que já deveria estar repousando na vida, me disse “eu queria agradecer a vocês” [por ser bem recebido no Brasil].

Me emocionou ver as pessoas naquela condição, e ver esse país bonito que a gente tem, que faz essas coisas, que acolhe as pessoas [se emociona novamente]. […]

Do ponto de vista da nossa democracia, nós melhoramos?

Os sistemas de representação política se desgastaram em todo o mundo. A economia do conhecimento, decorrente da revolução tecnológica, criou grandes fortunas e alguns achatamentos sociais. As pessoas, em algumas camadas, estão estagnadas.

Houve, ao mesmo tempo, um avanço importante dos direitos das mulheres, das pessoas negras, da comunidade LGBTQIA+, das pessoas com deficiência, das populações indígenas. E a parcela da sociedade que estava no topo, branca, heterossexual e masculina, digamos assim, perdeu a hegemonia.

O senhor ainda não decidiu se sairá? Ou já decidiu, mas não fará isso agora?

Sair do Supremo é uma possibilidade, mas não é uma certeza. Eu verdadeiramente ainda não tomei essa decisão.

Quando minha mulher [Tereza] estava viva, eu tinha esse compromisso com ela [de sair do STF depois que deixasse a presidência]. Ela já estava doente, mas a gente tinha a pretensão de passear um pouco, de ter uma vida mais leve.

Essa motivação eu já não tenho mais [Tereza morreu em 2023]. Então estou ainda verdadeiramente pensando no que fazer. Às vezes tenho a sensação de já ter cumprido o meu ciclo [no STF]. Às vezes penso que ainda poderia fazer mais coisas. Estou falando da forma mais franca possível, do fundo do meu coração. […]

O STF dá uma forte proteção institucional aos seus integrantes. A indecisão do senhor em sair ou não da Corte tem relação com a possibilidade de ser sancionado pela Lei Magnitsky já fora do tribunal? O senhor inclusive já teve o visto de entrada no país suspenso.

Se eu disser que ter ou não visto para ir aos EUA é indiferente, não estaria dizendo a verdade. Tenho relações acadêmicas e amigos queridos no país. Então é uma chateação para mim. Agora, eu vivo a vida como ela vem, entende? Tenho convites para ir à França, à Alemanha, à Itália, e a minha vida continua.

Sair ou não do STF, hoje, tem mais a ver com a exposição pública pessoal, sobretudo dos meus filhos e das pessoas com quem me relaciono. Minha mulher sofria imensamente.

[…]

Mas o senhor não tem medo de ser sancionado?

Eu tenho preocupação. Mas isso não tem nada a ver com ficar ou sair [do STF]. Eu não acho que, se ficar, estarei mais protegido. O que eu tinha que fazer [em relação ao julgamento de Bolsonaro] eu já fiz. Eu fui lá [na sessão de julgamento] e sentei do lado deles [ministros que estavam julgando] porque achei que era o meu dever fazer.

Eu tenho preocupações, que considero legítimas, mas não deixo de fazer nada do que devo fazer. […]

Em 2018, o senhor deu um voto no STF que levou o presidente Lula à prisão. O senhor se arrepende?

Absolutamente. O meu voto não teve nada a ver com o presidente Lula. Eu vou explicar, talvez pela primeira vez, o meu voto. E o de outros, porque não foi só o meu voto [que levou Lula à prisão].

É verdade. O ministro Alexandre de Moraes, por exemplo, votou da mesma forma.

Em um momento muito anterior [à prisão de Lula], em que a Lava Jato desfrutava de muito prestígio como um enfrentamento legítimo e importante à corrupção, vigorava o entendimento de que só era possível executar decisões [de prisão] depois do trânsito em julgado do processo. Demorava tanto que frequentemente elas prescreviam. […]

Quando o processo do presidente Lula chegou ao Supremo, ele já havia sido condenado em segundo grau e o STJ [Superior Tribunal de Justiça] tinha confirmado a condenação.

Vamos supor que eu tivesse votado no presidente Lula, que eu gostasse do presidente Lula. Eu sou um juiz. Eu deveria mudar a jurisprudência por querer bem ao réu? A vida de um juiz que procura exercer seu ofício com integridade e sem partidarismo exige decisões que são pessoalmente difíceis.

Note-se que, naquele momento, não havia sobre a Lava Jato as suspeições que depois vieram a ser levantadas. Portanto, eu apliquei ao presidente Lula, com dor no coração, a jurisprudência que eu tinha ajudado a criar.

O senhor hoje vê a Lava Jato com outros olhos?

Olhando a operação hoje, com seus acertos e desacertos, eu identifico que havia uma certa obsessão pelo ex-presidente Lula que se manifestou em erros muito claros. Ela revelou um país feio e desonesto. Mas, em algum momento, se perdeu nos excessos e terminou se politizando.

Viver é andar numa corda bamba. Mas às vezes as coisas vão tão bem para o equilibrista que a plateia começa a achar que ele está voando. A vida é feita dessas ilusões.

Se o equilibrista também acreditar que está voando, ele vai cair.

A partir de um determinado momento de grande sucesso da operação, eles [procuradores e Moro] acharam que estavam voando.

O senhor e Lula nunca conversaram sobre o seu voto?

Nunca conversamos sobre esse assunto. Eu acho que o presidente é um homem que já esteve tempo suficiente no sereno para entender qual é o papel de um juiz que cumpriu o seu dever de aplicar também a ele o que havia aplicado a outras pessoas. […]

E com o ex-presidente Jair Bolsonaro, como eram as conversas quando ele estava no governo?

Eu estive poucas vezes com o ex-presidente. Conversamos brevemente na diplomação dele para o cargo. A uma certa altura, num canto, eu disse para ele: “O cargo mais importante da República é o de ministro da Educação”. Ele respondeu: “Quem você sugere [para o posto]?”

Fiz várias consultas e mandei uma lista. O presidente Bolsonaro chegou a anunciar um deles, Mozart Neves, ex-reitor da Universidade Federal de Pernambuco. Mas houve uma imensa reação de seus apoiadores. Ele voltou atrás. E fez o oposto do que eu havia sugerido. Nomeou pessoas totalmente irrelevantes.

Augusto de Sousa
Augusto de Sousa, 31 anos. É formado em jornalismo e atua como repórter do DCM desde de 2023. Andreense, apaixonado por futebol, frequentador assíduo de estádios e tem sempre um trocadilho de qualidade duvidosa na ponta da língua.