
O presidente argentino Javier Milei voltou de Nova York com o compromisso do governo de Donald Trump em oferecer uma ajuda financeira inédita à Argentina em meio à sua delicada crise econômica. No entanto, segundo conta o La Nación, essa promessa de apoio vem acompanhada de expectativas políticas e geopolíticas que podem redefinir os rumos do país.
De um lado, Washington espera que Milei consiga costurar consensos no Congresso argentino para aprovar reformas estruturais — tributária, trabalhista e previdenciária — vistas como essenciais para dar sustentabilidade ao seu programa de ajuste. Do outro, os Estados Unidos deixam claro que desejam que Buenos Aires se afaste da órbita de influência da China, particularmente em relação ao acordo de swap cambial entre o Banco Central da República Argentina (BCRA) e o Banco Popular da China.
Um swap cambial é um mecanismo financeiro no qual dois bancos centrais trocam moedas entre si, estabelecendo uma linha de crédito recíproca. No caso argentino, significa que o país pode acessar yuans chineses em troca de pesos argentinos, usando essa liquidez para pagar importações, reforçar reservas internacionais e reduzir a dependência do dólar em operações comerciais.
Esse swap com a China, avaliado em cerca de US$ 18 bilhões, tem funcionado como um colchão de estabilidade para a Argentina, especialmente diante da escassez de dólares. No entanto, para Washington, esse tipo de acordo fortalece o yuan como alternativa internacional ao dólar e amplia a influência de Pequim na América Latina. Por isso, a administração Trump gostaria que Buenos Aires desativasse gradualmente esse instrumento ou deixasse de renová-lo em 2026, quando vence parte do contrato.
Consenso político como contrapartida
Na frente doméstica, o secretário do Tesouro norte-americano, Scott Bessent, foi direto ao pedir que Milei busque maior governabilidade. Em entrevista à TV argentina, o ministro da Economia, Luis Caputo, confirmou a cobrança: “Foi o único ponto que me disse: ‘Trabalhem na governabilidade, Toto’”.
A expectativa de Washington é que o governo argentino consiga formar maiorias no Congresso para aprovar medidas que consolidem o ajuste fiscal e aumentem a previsibilidade para os investidores. Para os EUA, a chave não está apenas nos resultados eleitorais, mas na capacidade do Executivo de articular coalizões.
Além da supervisão do Fundo Monetário Internacional (FMI), a Argentina passa agora a lidar também com o acompanhamento direto de Washington. Kristalina Georgieva, diretora-gerente do Fundo, celebrou o apoio dos EUA e disse em entrevista à CNN que “os interesses de ambos coincidem”. Segundo ela, o objetivo é garantir que Buenos Aires mantenha políticas econômicas sólidas “por tempo suficiente para que se tornem irreversíveis”.
A pressão norte-americana reflete uma disputa global: de um lado, os EUA tentam consolidar aliados estratégicos na América Latina; de outro, a China amplia sua presença comercial e financeira na região. Como destacou La Nación, o swap é visto por Washington como parte de uma estratégia chinesa para expandir o uso do yuan em transações internacionais, reduzindo o espaço do dólar.
Analistas lembram que a Casa Branca busca evitar na América do Sul o que considera ter acontecido na África, onde projetos chineses de infraestrutura vieram acompanhados de endividamento elevado e concessão de direitos minerais a empresas de Pequim.
President @JMilei is restoring economic stability after decades of Argentine mismanagement.
Markets are not losing confidence in him – they are looking in the rearview mirror.
The @USTreasury is resolute in our support for his reforms. pic.twitter.com/2cAbrWM6W4
— Treasury Secretary Scott Bessent (@SecScottBessent) September 25, 2025
Impactos internos
Para Milei, o apoio financeiro dos EUA pode ser crucial para honrar os US$ 8,5 bilhões em vencimentos da dívida externa previstos para 2026. Mas o custo político é evidente: o governo precisará navegar entre a pressão norte-americana, a dependência prática do swap chinês e as dificuldades de formar maioria no Congresso.
Dentro da própria Casa Rosada, há divergências sobre como comunicar esse cenário. Um setor insiste que não houve condicionamentos formais, enquanto outros reconhecem que os recados de Washington foram claros — e que o país estará sob tutela dupla: do FMI e da Casa Branca.
Segundo La Nación, interlocutores do governo Trump demonstraram preocupação com um eventual retorno do peronismo em 2027, que poderia romper o alinhamento quase automático de Milei com Washington. Por isso, há interesse dos EUA em consolidar já no presente um quadro de reformas que dificulte uma guinada futura.
Mais do que um resgate econômico, o apoio norte-americano é um teste político e diplomático para Javier Milei. Ele terá que equilibrar: as necessidades imediatas de liquidez, a exigência de reformas internas e a pressão para revisar o swap com a China.
Enquanto isso, Pequim observa de perto: a embaixada chinesa já havia criticado em maio qualquer interferência norte-americana em seus acordos com Buenos Aires, classificando a postura de Washington como expressão da “Doutrina Monroe”.